Ano I – nº. 2, 12 de maio de 2008
Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.
OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO
EDITORIAL
Entre os anos de 1955 e 1975, período de maior desenvolvimento industrial na história do Brasil, a sociedade brasileira passou por um processo transformação raramente visto nas sociedades contemporâneas. Em apenas vinte anos, o Brasil passou da condição de sociedade rural, sedimentada em bases agrárias para se tornar um modelo de sociedade urbana, sedimentada em bases industriais.
No final da década de sessenta e início da década de setenta, por exemplo, o boom da construção civil, contribuiu sobremaneira para a ocorrência de altas taxas de migração do campo para a cidade. Nesse período a população do campo migrava para as grandes metrópoles, dentre elas o Rio de Janeiro, em busca de melhores condições de vida.
Todavia as grandes cidades não estavam preparadas para absorver essa mão de obra. As condições de infra – estrutura e serviços eram extremamente precárias. Esse processo migratório permaneceu ativo e perdurou até a década de oitenta, o que concorreu, direta e indiretamente, para o crescimento desestruturado das cidades.
As sucessivas demonstrações de omissão e permissividade do Poder Público promoveram a ocupação irregular do solo urbano e a inadequada e insuficiente provisão de serviços públicos essenciais em face do aumento da demanda. Enfim, desde aquela época até os dias de hoje vive-se um verdadeiro caos urbano.
É nesse cenário conflituoso que os conglomerados urbanos ou favelas se expandiram. As favelas são ambientes geográficos informais, situados topograficamente nos morros da cidade, o que impede um controle periférico da criminalidade.
Marcadas pela ausência total ou parcial do Estado, os moradores das comunidades populares do Estado do Rio de Janeiro constituem o principal grupo de vítimas da violência e da criminalidade. As favelas se tornaram locais ideais para a prática criminosa e para o homizio de marginais da Lei, sobretudo àquelas práticas associadas à dinâmica do tráfico de drogas associado ao contrabando de armas.
Por outro lado, ao longo das últimas décadas, acima referenciadas, as organizações policiais não prepararam adequadamente para enfrentar o futuro. Em 1964, no âmbito da segurança pública, ocorreu uma grande mudança conceitual. O foco deixou de ser a segurança do cidadão e passou a ser a segurança do Estado. O inimigo interno passou a ser o principal alvo das organizações policiais.
O ideário da doutrina de segurança nacional transformou as polícias militares em forças policiais – militares ordinárias de segurança pública com responsabilidade exclusiva pela ação de polícia ostensiva e de manutenção da ordem pública.
Nesse contexto, prevaleceu o modelo de organização policial baseado no paradigma militarista onde a idéia de serviço estava necessariamente subordinada à idéia de força. Esse processo de militarização da segurança pública ensejou uma série de conseqüências para a administração do serviço policial.
É conveniente destacar que não foi o modelo de estrutura organizacional herdado do exército, baseado em princípios sólidos de hierarquia e disciplina que viciou esse processo, mas sim a ideologização do modelo aplicado a uma dinâmica de prestação de serviços de segurança pública que desvirtuou a finalidade e os objetivos institucionais básicos que devem nortear o bom funcionamento uma organização policial.
Grosso modo, enquanto as favelas se expandiam e o crime organizado tomava corpo e forma, as organizações policiais centravam seus esforços no estouro de aparelhos subversivos e na repressão às manifestações populares pró – democracia. O foco estava concentrado no inimigo interno e não na administração policial da ordem pública com vistas a uma efetiva prestação de serviços de segurança pública objetivando a melhoria da qualidade de vida da população.
Outro ponto de destaque refere-se ao modelo de administração adotado pela Corporação, extremamente fechado, partilhado e mecanicista, totalmente avesso ao relacionamento institucional participativo e frontalmente incompatível com a dinâmica imposta pelo ambiente nos diferentes processos de interação que são exigidos no âmbito dos serviços policiais.
Um claro exemplo dessa triste realidade pode ser buscado na própria dinâmica da criminalidade: enquanto nas organizações criminosas as atividades são organizadas através de redes ágeis, nas organizações policiais persiste o velho esquema de organização baseado no modelo piramidal, fechado em si mesmo, desconectado das instituições afins e do próprio ambiente, interno e externo.
As sociedades contemporâneas que apresentam expressivos indicadores e taxas de violência e de criminalidade são, via de regra, marcadas por um acentuado nível de desigualdade social e falta de acesso à justiça. Aliado a esse fator, as sociedades contemporâneas cultuam o consumismo, em todos seus aspectos, dimensões e manifestações, como valor social de primeira grandeza. Nesse contexto, é comum observar uma forte contradição entre os valores tradicionais e os valores da modernidade.
Essa realidade, principalmente nos países subdesenvolvidos como o Brasil, determina o marco etiológico que caracteriza o agravamento do processo de exclusão social.
Entre 1980 e 2002, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ocorreu um aumento de 85% na taxa de homicídios atingindo um valor de 60 por 100 mil habitantes. Como principal conseqüência dessa dinâmica assistimos inertes ao extermínio de nossa juventude. Crianças desprovidas de um mínimo de estrutura familiar são facilmente cooptadas para as atividades criminosas. Ganham visibilidade perante o mundo portando armas de alto poder bélico.
Nesse sentido, a violência e a criminalidade no Brasil associada à dinâmica do tráfico de drogas tem território específico, idade, sexo e cor. Ocorre nas favelas, nos conglomerados urbanos e na periferia desses espaços geográficos, seus principais algozes e vítimas são jovens do sexo masculino, com idade compreendida entre 13 e 24 anos, na sua maioria negros.
Um estudo recente do Banco Mundial (2006) estima que uma redução de 10% na taxa de homicídios no Brasil poderia contribuir com uma elevação entre 0,2 e 0,8 pontos percentuais ao ano da taxa de crescimento de renda per capita ao longo dos próximos cinco anos.
A democratização da lavratura do termo circunstanciado e seus reflexos à segurança pública.
Wanderby Braga de Medeiros
Aplicável às contravenções penais e aos crimes cujas penas máximas não sejam maiores de que dois anos, o termo circunstanciado, preso à lógica da celeridade, economia processual, informalidade e oralidade, representa mero relato da conduta em tese delituosa, com menção às partes envolvidas e eventuais materiais apreendidos e perícias solicitadas.
A discussão acerca da alegada (pelos próprios) competência exclusiva de delegados de polícia para a lavratura do termo circunstanciado já foi mais de uma vez espancada em plenário do Supremo Tribunal Federal, culminando com o julgamento da ADI n.º 2862, em 26/03/08.
A democratização da lavratura do termo, recaindo tal competência sobre qualquer agente público investido de autoridade policial, mais de que uma tendência nacional, representa necessidade premente para que a letra da lei não se afigure como "morta" e que os objetivos colimados em seu texto prevaleçam sobre meros e repudiáveis interesses classistas de concentração de poder e mantença de statu quo.
Assim sendo, diante de infrações de menor potencial ofensivo, deve sim a autoridade pública, seja ela qual for (desde que esteja investida de poder de polícia) lavrar o termo e encaminhar o feito diretamente ao poder judiciário, já assinalando data, hora e local para a realização da audiência preliminar.
A democratização da lavratura do termo circunstanciado tende a gerar, dentre outros, os efeitos seguintes, todos, tendentes ao interesse maior, ao interesse público:
Intensificação da presença da polícia nas ruas.
A maioria absoluta das mediações de conflito delituosos com que se depara a polícia é de menor potencial ofensivo. Com a lavratura do termo pelo policial responsável pela ocorrência no próprio logradouro público, deixa de ocorrer o deslocamento e o consumo de horas em delegacias de polícia.
Economia de recursos públicos.
Conseqüência necessária do primeiro efeito, tanto sob a perspectiva homem-hora, quanto do ponto de vista de economia de recursos materiais, e.g., combustível e outros insumos ao patrulhamento motorizado.
Incremento de qualidade no atendimento.
Decorrente da desobrigação de submissão de autores, testemunhas e vítimas a penosos e deslocamentos, bem como ao consumo de horas para a adoção de desnecessários feitos cartorários, merecendo menção ainda a quebra do ciclo de vitimização secundário, decorrente da repetição de narrativas e feitos.
Redução da sensação de impunidade.
Com a celerização da prestação jurisdicional, tendo como marco inicial a pronta e completa atuação da autoridade policial chamada à mediação (seja ela qual for), a sensação de que de nada adianta chamar a polícia tende a sofrer importante golpe, decorrente de resposta mais satisfatória e técnica a ser emanada.
Redução da impunidade objetiva.
Efeito decorrente não apenas do ponto de vista das infrações de menor potencial ofensivo, celeremente carreadas ao poder judiciário, como também dos delitos não enquadrados em tal rol (homicídios dolosos, furtos, roubos, etc), uma vez que a polícia investigativa, liberta do pesado e desnecessário encargo cartorário de intermediar a remessa dos termos circunstanciados ao poder judiciário, passa a ter espaço para otimizar a aplicação de seus recursos humanos e materiais com vistas ao seu mister constitucional de investigar e elucidar tais delitos.
Incremento de credibilidade no aparato policial.
Ponto que emerge do somatório das virtudes já mencionadas e que tende a produzir reflexos positivos também sobre os próprios policiais mediadores dos conflitos, eis que o resultado de sua completa atuação passa a ser algo mais palpável, produzindo reflexos imediatos e materiais.
Diferentemente do que ainda ocorre no RJ, onde a máxima de que "toda ocorrência termina na DP" impera e que até "elementos suspeitos" são conduzidos às circunscricionais para verificação de antecedentes, há diversos estados em que concepção cidadã de atendimento policial já prospera, representada não apenas pela lavratura de termos circunstanciados por quaisquer autoridades investidas de poder de polícia (policiais militares, rodoviários, civis, etc), como pela carreação às delegacias de polícia apenas das situações de flagrância delitiva de maior potencial ofensivo.
Coincidência ou não (creio que não), tais estados têm experimentado resultados pródigos em matéria de redução de ilícitos, tanto de maior, quanto de menor potencial ofensivo.
Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo que o digam!
Ronaldo Antonio de Menezes
As falácias costumam permear a vida pública. Infelizmente, nestas terras tupiniquins, nossos governantes, em sua grande maioria, criaram o hábito de usar discursos cujos conteúdos têm por objetivo mascarar uma deficiência e oferecer, instantaneamente, uma satisfação à população, mesmo que seja um paliativo, ou mesmo um placebo, pois a resposta correta nem sempre é fácil e exige, invariavelmente, esforço sério e contínuo, que somente pode ser despendido por administrações austeras, compromissadas com a causa pública e avessa aos projetos e interesses pessoais.
Veicula-se mais um concurso para ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, como sempre é feito quando fatos perturbadores ou números indicam a falência da segurança pública no nosso Estado.
Pode-se até dizer que esse quadro foi herdado, contudo, ao observarmos com bastante cuidado, veremos que a maneira de conduzir a pasta é a mesma, tanto nessa quanto em outras administrações.
Política de Segurança Pública não pode se sustentar apenas em aumento de efetivo, aquisição de viaturas, armamento e equipamento, já que a realidade vem demonstrando que simplesmente “botar o bloco na rua” não vem contribuindo para a redução da criminalidade ou o aumento dos delitos solucionados.
Por sua vez, a melhoria do policiamento ostensivo, atribuição da Polícia Militar, decerto não passa pela admissão sem critério, normalmente produzida, pois se fosse esse o caso, ao invés da promoção do inchaço da máquina pública, seria observado o retorno das centenas de policiais militares cedidos aos mais diversos órgãos públicos.
Dados disponibilizados pela Própria Polícia Militar dão conta que cerca de 2.300 (dois mil e trezentos) policiais – militares estão fora das ruas, à disposição, por exemplo, da Secretaria de Governo, de Assistência Social, de Agricultura, de Ciência e Tecnologia, de Habitação, de Meio Ambiente e de Transporte, também circulam pelos gabinetes de Tribunais, do Ministério Público e de muitas Prefeituras, assim como zelam pela segurança dos presídios, fazendo o papel que deveria ser desempenhado por agentes penitenciários.
Então, cabe aqui perguntar: Por que um profissional preparado para preservar a ordem pública e executar a polícia ostensiva está destacado no DETRAN? No DETRO? Na Secretaria de Agricultura? Nas diversas Prefeituras? Em alguns casos explica-se, pois é uma mão de obra barata e auxilia no aumento de arrecadação. Mas a que preço?
O homem retirado das ruas, além de contribuir para a deficiência do policiamento, sobrecarrega aqueles que permaneceram na Instituição, ainda a oferecer sua vida em prol da população fluminense, ao mesmo tempo, tira deles as condições de garantir um serviço satisfatório ao povo, decorrendo daí, talvez, sua remuneração muito abaixo das expectativas e a segunda pior em nível nacional.
A Ordem Pública que é essencial à sociedade, envolve altos custos financeiros, derivados dos gastos com pessoal, equipamento e instalações, procedem então à necessidade de ser observado um emprego coerente e criterioso dos recursos públicos, priorizando as ações e operações policiais, não atividades acessórias ou sem vínculo com as atividades de segurança pública.
A falta de investimento na profissionalização do Policial tem uma ação perversa em desfavor do agente de segurança pública e da sociedade em geral, pois, ao sentir-se desvalorizado, seja financeira, institucional ou moralmente, e descobrir que, executando atividades paralelas, obterá melhor remuneração, o homem perde o vínculo com o público e prioriza o privado.
Por anos a fio ignoramos o que acontecia nos guetos e nas comunidades carentes, a simples percepção desses segmentos incomodava a vista e afligia a alma; para evitar essa realidade a classe mais abastada da sociedade refugiou-se em condomínios cercados por altos muros, providos de cercas elétricas e câmeras de segurança; para certificar-se que não teriam a santa paz de seus lares ameaçada, contrataram pessoas para controlar o acesso às dependências condominiais e afastarem pessoas indesejadas; pensaram eles então que seria interessante que esses homens trabalhassem armados e, em caso de necessidade, tivessem um bom entrosamento com as forças policiais, portanto, nada melhor que contratarem policiais para ali atuarem nas horas de folga, pois se serviriam do Estado e custavam quase nada.
Isso foi bom para ambos os lados, as pessoas tinham seu rico patrimônio protegido e os agentes da lei garantiam um reforço financeiro em seus orçamentos. Logo a classe média e os comerciantes perceberam que também podiam melhorar suas condições de segurança e contrataram vigilantes para circularem pelas ruas, nada mais eram que policiais e bombeiros, com as indefectíveis camisas pretas com a inscrição “apoio” às costas, a passarem as horas de sua folga em pé, sob uma marquise a respirar o dióxido de carbono expelido pelos veículos que passam incessantemente a sua frente.
A partir de então, mais um ator desse processo viu-se satisfeito, pois, como os agentes possuíam duas fontes de pagamento, a administração pública entendeu que não era mais necessário pensar em uma remuneração condigna ou condições de trabalho, bastava fechar os olhos e institucionalizar oficiosamente o “bico”.
O filão mostrou-se muito mais generoso do que se podia supor e isso atraiu os olhares de Oficiais e demais Autoridades Policiais, foram sendo montadas as firmas de segurança patrimonial, cujos escritórios funcionavam no interior dos aquartelamentos e delegacias e a mão de obra utilizada era abundante e com disponibilidade imediata. Boates, bares, bingos, comércios e congêneres se viram muito mais interessados em contratar uma segurança feita por policiais, que podiam agir ou se omitir como força pública quando necessário.
O quadro parecia que estava pronto, o “bico” tornou-se a atividade principal e o serviço público virou uma atividade complementar, cujo principal atrativo era conferir o direito à identidade e arma de fogo. O patrão deixou de ser a população e passou a ser o “Dono da Segurança”, o interesse deixou de ser a coisa pública e passou a ser o privado.
O policial passou a trabalhar completamente extenuado, físico e emocionalmente, uma vez que a jornada dupla consumia-lhe as forças; este homem, armado e com a incumbência de proteger a sociedade, tornou-se uma ameaça em potencial ao partir para as ruas, insatisfeito com o salário baixo e o descaso com que é tratado, portanto, propenso a praticas arbitrárias e acidentes que podem vitimar tanto a si quanto àqueles que devia proteger.
Eis que os menos favorecidos, imprensados entre a necessidade e a violência que geralmente impera nos locais onde residem, passam a receber segurança de grupos armados, coordenados (supostamente) por policiais, que afastam o tráfico de entorpecentes, inibem a pratica de roubos e furtos e tornam as ruas mais tranqüilas, entretanto, tudo tem um preço, e logo o transporte irregular de passageiros e a exploração de sinais clandestinos de TV fechada passa a ser controlado por esses grupos; em seguida, os cidadãos são compelidos a contribuir pela segurança prestada e pessoas da comunidade são recrutadas e armadas. Formaram-se as milícias.
Toda essa prestação de serviço que substitui o papel estatal, seja no atendimento ao topo ou à base da pirâmide social, deixa bem clara a privatização do sistema de segurança pública e uma perigosa inversão de valores; ao passo que o Estado declina de sua competência para utilizar o poder de polícia em prol da população e entrega essa tarefa a grupos paramilitares, permite instalação de um governo paralelo, com regras próprias e invariavelmente totalitárias, que tende a crescer à proporção da omissão governamental e da carência social.
No final, quando esses grupos estiverem enraizados em nosso contexto social e percebermos que deles não nos favorecemos, muito pelo contrário, que na verdade somos reféns de sua atuação e estamos aqui para servi-los com nossa “contribuição” obrigatória; que nossos protetores são também nossos algozes; que somos aldeões prontos a ceder a primeira noite aos Senhores Feudais, que nossos direitos começam e terminam segundo o interesse de nossos defensores e suas conveniências, talvez aí, somente nesse instante, ouviremos do dirigente público, movido pelo mais profundo senso de dever, se pronunciar e afirmar que está chocado com essa situação e que, apesar de não ser fruto de sua administração, encetará todas as medidas necessárias para devolver o Rio de Janeiro ao povo fluminense e novamente democratizar a segurança pública; que para tal conta com seus aliados, os policiais, os quais, apesar de mal assistidos por anos a fio, saberão resistir às vicissitudes e compreender que o caos decorre de governos anteriores e que, tão logo a situação esteja equilibrada, terão suas mui justas reivindicações observadas com todo o carinho.
Será que já não ouvimos essa ladainha antes? Dá-me um nariz de palhaço, por favor!
3º ARTIGO
Antonio Carlos Carballo Blanco
Desde o início da década de 80 do século passado, há aproximadamente 30 anos, o Brasil e, particularmente, o Rio de Janeiro sofre com a escalada desenfreada da violência e da criminalidade. Muito possivelmente, existem inúmeras causas, de todos os matizes, concorrentes e determinantes, para ajudar a explicar a eclosão desse fenômeno normalmente travestido através do binômio medo e insegurança.
Antes de avançar na questão suscitada pelo título que precede estas primeiras linhas, é muito importante, conveniente e oportuno destacar os seguintes esclarecimentos: infelizmente, não há, no Brasil, um sistema de segurança pública. A simples idéia de sistema de segurança pública pressupõe a existência de um objeto comum, suprapartidário, e de instituições minimamente organizadas, com padrões mínimos de qualidade e de interface com vistas ao compartilhamento de processos de interesse comum. Pressupõe também a existência de um modelo de organização, objetivo e consistente, entre todos os entes federativos, União, Estados e Municípios.
Em primeiro lugar, no Brasil, o tema segurança pública vem sendo tratado ao longo das últimas décadas de maneira inadequada. A omissão e a permissividade dos nossos governantes têm contribuído para que o tema não seja tratado como verdadeira questão de Estado, acima dos eventuais interesses partidários. Por outro lado, inexiste no âmbito dos entes federativos e de suas instituições de segurança uma linguagem comum, básica, capaz de uniformizar procedimentos e guiar planejamentos numa perspectiva de médio e longo prazo.
A existência de uma legislação anacrônica aliada a um sistema obsoleto de funções policiais bipartidas também concorre para a pouca ou quase nenhuma efetividade no funcionamento das instituições policiais. Nesse contexto, o caso do Rio de Janeiro é bastante emblemático por sua singularidade e ajuda a compreender um pouco do drama nosso de cada dia.
É possível afirmar, portanto, que há décadas não há no Brasil nem tampouco no Rio de Janeiro uma verdadeira política de segurança pública. O que existe na prática são surtos ou espasmos seletivos de contenção da violência armada perpetrado com o uso da própria violência estatal.
E o que isso significa no dia a dia do cidadão? Significa muita coisa, a saber: a incapacidade do Estado em prover de maneira democrática serviço de segurança pública para todos, durante as 24 horas do dia; significa que o Estado não valoriza o profissional de segurança pública, seja do ponto de vista salarial, seja do ponto de vista das condições objetivas de trabalho; significa que não existe política de segurança pública, posto, que não existe um sistema capaz de integrar os diversos níveis de prevenção entre os diversos entes; significa que não existe um protocolo do uso da força claro, objetivo e consistente, suficientemente capaz de tornar a repressão efetivamente qualificada; significa que as instituições movem-se por seus próprios interesses corporativos ou por interesses pessoais; significa, em suma, que o modelo atual está falido.
Muitos podem estar agora mesmo fazendo a seguinte pergunta: E a política de enfrentamento, tão alardeada pelo governo e pelos veículos de comunicação social? Infelizmente, devo dizer que enfrentamento não é nem nunca será uma política pública.
Pode ser uma estratégia, uma tática e até mesmo uma obrigação legal, mas, com certeza nunca será uma política, pois não define de forma ampla e substantiva o que dever ser feito para melhorar a segurança pública como um todo, em todos os seus níveis de abrangência e complexidade, da prevenção à repressão, do favelado ao morador da classe A. Resta-nos então convencionar o que está de fato ocorrendo no Rio de Janeiro.
Diante dos fatores históricos que contextualizam o embate entre policiais e traficantes homiziados nas favelas ao longo dos últimos anos, com incursões e ocupações territoriais episódicas, ousarei definir o que se sucede nas últimas décadas como tática operacional de contenção seguida do processo de financiamento privado da segurança pública, tema este que será tratado especificamente em outro artigo, oportunamente, de maneira mais aprofundada.
O Art. 144 da Constituição da República (CR) define segurança pública como sendo um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Independentemente do órgão de segurança pública incumbido dessa ou daquela missão não resta qualquer sombra de dúvida que preservar a ordem pública, bem assim preservar as condições objetivas para que cidadãos e cidadãs e respectivo patrimônio estejam são e salvos de qualquer perigo.
O que estamos assistindo nos últimos anos pode ser traduzido, grosso modo, como um verdadeiro genocídio de jovens e de policiais. As sucessivas e malogradas táticas operacionais de contenção não surtiram e não surtirão o efeito da pacificação. Pelo contrário, os procedimentos de conduta tática e até mesmo o emprego tático do armamento utilizado em determinadas situações estão em total desacordo com o que de melhor existe na técnica policial, indo inclusive de encontro ao preceito maior da CR, que é o de manter as pessoas e seus respectivos patrimônios a salvo de qualquer perigo.
Também compõe essa perversa equação a existência de uma cultura bélica no seio das organizações policiais que privilegia a idéia de força em detrimento da idéia de serviço e reforçam algumas das justificativas para os casos de desvio de conduta, violência arbitrária e abuso do poder, alimentadas constantemente pelo forte sentimento de impunidade em razão das ridículas taxas de elucidação de delitos.
Há muito tempo que as forças estaduais de segurança não conseguem dar conta da situação de grave perturbação da ordem pública que assola o Estado do Rio de Janeiro e, em particular, a Cidade do Rio de Janeiro. Por inépcia, omissão, permissividade e, principalmente, por vaidade das autoridades públicas, não houve até o presente momento nenhum gesto nobre em reconhecer a falência das instituições policiais do Rio de Janeiro e a sua incapacidade de lidar com a complexa dinâmica criminosa gerada a partir do tráfico de drogas ilícitas e do tráfico ilícito de armas. De fato nosso cobertor é muito curto.
Mas, então, o que fazer diante desse cenário desolador? Diria que a situação do Rio de Janeiro chegou a um ponto de tamanha gravidade que não resta alternativa senão a decretação do estado de defesa, uma medida democrática e legalmente amparada nos termos da CR. Não é mais possível tampar o sol com a peneira. Situações como a do Complexo do Alemão, da Rocinha, de Manguinhos e de outras comunidades populares, principalmente devido as distintas particulares, especialmente, o domínio territorial armado imposto por grupos de criminosos associados ao tráfico de drogas ilícitas com grave comprometimento da ordem pública configuram plenamente, nos termos da Seção I, Capítulo I, Título V da CR, a necessidade da defesa do Estado e das Instituições Democráticas.
Vislumbra-se, portanto, que de acordo com o Art. 136 da CR, o Presidente da República é o principal responsável pela decretação do estado de defesa, cuja fundamental condição objetiva está dada e devidamente enquadrada: Art. 136. O Presidente da República pode ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
Nesse processo de pacificação e restauração da ordem democrática em algumas das comunidades populares do Rio de Janeiro a presença das forças armadas é fundamental, tanto pela sua excelente capacidade de mobilização recursos, humanos e materiais, quanto pelo domínio técnico e nível de adestramento de todo o efetivo mobilizado. O conceito da operação deve estar focado no esforço de preservar vidas, desativar “minas humanas” prestes a explodir e desmobilizar civis armados, mormente recrutados para formar fileiras junto ao “exército do tráfico de drogas”.
A participação das forças armadas, com o indispensável suporte das unidades especiais da polícia militar, garantirá, mediante superioridade numérica, a presença efetiva da tropa do Estado em toda a extensão territorial considerada, neutralizando eventuais reações de modo a reduzir potencialmente a possibilidade de reações indesejáveis e de se produzir vítimas inocentes. É parte de uma política maior para o verdadeiro enfrentamento da insegurança pública.
Um comentário:
Juntos somos fortes a 200 anos servindo e tranbalhando para banqueiros assassinos do jogo do bicho, será esse o lema dos policiais corruptos e marginais que passam a mão na cabeça de vagabundo???
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