Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.
OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO
Ano I – nº. 1, 15 de abril de 2008
Editorial
O Movimento Segurança Cidadã (MSC) é uma iniciativa promovida por um grupo de oficiais e praças da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), com a finalidade precípua de sensibilizar a população fluminense sobre a gravidade da situação da segurança pública em nosso estado. O MSC é, em última instância, um movimento em prol de um novo modelo de polícia, uma polícia cidadã feita por policiais cidadãos.
O MSC foi constituído a partir da união dos oficiais superiores que compõem o grupo dos Barbonos, grupo este composto exclusivamente por coronéis da Polícia Militar, dos oficiais e praças do grupo denominado Os 40 da Evaristo e dos oficiais e praças que apesar de não pertencerem a nenhum dos dois grupos, apóiam o conjunto das reivindicações defendidas pelos grupos referidos.
O MSC é um movimento essencialmente pautado pelos princípios da cidadania, como forma de expressão e reação da sociedade em face do recrudescimento da violência urbana, mormente caracterizada pela alta incidência de homicídios e roubos, situação esta agravada não só por fatores sociais, mas, principalmente, pelo crescimento da corrupção institucional, constantemente estimulada pelo sentimento generalizado de impunidade que permeia o tecido social como um todo.
Contudo, independentemente dos fatores externos que afetam diretamente a segurança pública, tais como a desestruturação familiar, o desemprego e a evasão escolar, dentre outros, o MSC não pretende permanecer de braços cruzados aguardando soluções mágicas para resolver essas graves questões.
Pretende-se sim, apresentar propostas, objetivas e consistentes, alternativas ao atual modelo de segurança pública, para mudar o quadro de medo e insegurança que assola o Brasil, o Estado do Rio de Janeiro como um todo e, em particular a Cidade do Rio de Janeiro.
O MSC, portanto, apresenta como objetivo superior viabilizar a efetivação de uma completa reforma institucional no atual modelo de segurança pública, com profundas mudanças estruturais no modo de organização e funcionamento das instituições encarregadas da segurança pública. Enfim, uma reforma que seja capaz de subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas substantivas nas áreas de justiça criminal e segurança pública.
Não obstante a necessidade de mudanças no texto constitucional para viabilizar a efetivação de uma completa reforma institucional no atual modelo de segurança pública, o MSC propõe, no âmbito da PMERJ, a persecução dos seguintes objetivos específicos que, sem qualquer sombra de dúvida produzirão impacto positivo na melhoria da qualidade de vida da nossa sofrida população:
1) A VALORIZAÇÃO DO POLICIAL MILITAR: é inconcebível que num Estado como o Rio de Janeiro, que possui a segunda maior arrecadação do país, o soldado policial militar receba a segunda pior remuneração, ou seja, um vencimento líquido que não ultrapassa R$ 900,00 (novecentos reais) por mês ou menos de R$ 30,00 (trinta reais) por dia. O policial militar é, de fato, o maior patrimônio da sociedade. Torna-se indispensável, então, valorizá-lo como cidadão pleno, e apóia-lo em todos os aspectos inerentes a sua atividade (ético, legal, moral, material etc.) recompensando-o justamente com uma remuneração digna, uma formação policial de qualidade e dotação de equipamentos adequados para que ele possa proteger e servir a sociedade com devoção e profissionalismo.
2) FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL: urge reformular toda a estrutura de ensino da Corporação. Nos dias de hoje torna-se fundamental estabelecer canais permanentes de interlocução e de parceria a Universidade, de modo a garantir excelência nos processos de formação e de capacitação profissional dos policiais militares. Não podemos mais aceitar passivamente o fato de que alunos dos cursos de formação ou policiais já formados que se encontram na condição de alunos nos diversos cursos de formação, aperfeiçoamento ou especialização sejam afetados por demandas intempestivas e injustificadas por aumento de efetivo. Não se justifica prejudicar a instrução a pretexto de aumentar o efetivo do policiamento ostensivo extraordinário ou até mesmo de acelerar a formatura de uma nova turma para colocar mais policiais na rua. O resultado dessas “políticas de mobilização de efetivo” é pífio e a combinação deles pode ser explosiva: policiais mal formados, mal preparados para o exercício do ofício, e população mal assistida, passível de se tornar vítimas em potencial dos erros profissionais.
3) MODERNIZAÇÃO E GESTÃO ORGANIZACIONAL: infelizmente, ao longo das últimas décadas as ações de combate à criminalidade, perpetradas pela PMERJ, têm se mostrado ineficientes. Tal realidade pode ser traduzida através de distintos indicadores de ineficiência dentre os quais podemos destacar o modelo policial brasileiro de funções bipartidas, a ideologização militar da segurança pública, a baixíssima taxa de elucidação de delitos, a reprodução sistemática de uma tática operacional de contenção reativa, a forte ingerência política na área da segurança pública, o elevado número de policiais desviados de função (à disposição de diversos órgãos e autoridades), a falta de confiança da população nas instituições policiais, a falta de incentivo e de comprometimento dos policiais com o serviço em razão dos baixíssimos soldos, o crescente comprometimento de policiais com atividades e práticas delituosas diversas. Por outro lado, o modelo de estrutura organizacional da Corporação peca pelo excesso de centralização administrativa, conferindo pouca autonomia aos operadores que estão atuando na ponta da linha. A prática da avaliação não é medida recorrente o que afeta diretamente qualquer possibilidade de se pensar a mudança e o desenvolvimento institucional, pois, só se muda àquilo que pode ser medido. Como não há indicadores de avaliação de desempenho funcional e institucional, objetivos e consistentes, as mudanças não ocorrem e o sistema não opera como deveria. Reproduzem-se então os velhos padrões e rotinas tradicionais de gerenciamento organizacional, extremamente pesada e que já não mais atendem as expectativas e demandas da Corporação e da sociedade.
O problema da insegurança pública vivenciado pela população fluminense é crônico, não surgiu da noite para o dia, foi sendo construído ao longo dos anos, ora pela omissão governamental, ora pelo estabelecimento de “políticas” equivocadas. As ilicitudes e as irregularidades se multiplicam nas ruas com uma velocidade inversamente proporcional à capacidade estatal de encontrar soluções para o problema.
O crescimento em escala geométrica do transporte alternativo clandestino, dos caça-níqueis e das milícias armadas, com as suas disputas de território, ceifando vidas, são alguns dos exemplos mais recentes. A criminalidade avança e a população recua, enquanto os governantes não conseguem estabelecer políticas públicas que permitam o controle desse quadro caótico de insegurança. O que nunca faltaram foram promessas políticas para solucionar o problema.
No campo acadêmico, incontáveis palestras, debates e seminários sobre o tema já foram realizados nessa cidade de natureza tão maravilhosa, onde as mais variadas propostas foram apresentadas e a criminalidade violenta continua crescendo.
Quem não ouviu falar no fantástico programa de “tolerância zero”, adotado na cidade de Nova Iorque e que teria diminuído drasticamente a criminalidade? Incontáveis vezes esse programa foi citado por estudiosos do tema, como uma verdadeira panacéia, a solução para todos os males decorrentes da atividade criminosa. A idéia é simples: reprimindo os pequenos delitos, evitamos a ocorrência dos grandes delitos.
O policiamento comunitário, importado dos Estados Unidos e do Canadá, que começou a ser implantado na gestão de Governo de Leonel Brizola, quando era Secretário de Estado de Polícia Militar e Comandante Geral o Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, foi uma importante semente que até a presente data não deu frutos nem tampouco fincou as necessárias raízes. A propalada “Polícia Cidadã” nunca surge de fato.
Enquanto isso, as mazelas policiais são citadas a todo o momento: O número de policiais é insuficiente; os policiais são mal preparados; mal equipados; violentos; arbitrários; não respeitam os direitos humanos e ainda ganham muito mal, o que é uma verdade.
O problema da insegurança parece insolúvel e a conseqüência natural dessa situação foi o surgimento do medo generalizado na população, que muda os seus hábitos, na busca de uma menor exposição a esse flagelo social.
Nesse contexto, o cidadão fluminense, empiricamente, acaba adotando mecanismos de defesa, dentre eles, o hábito de não sair de casa à noite, privando a si mesmo da liberdade de ir e vir. O carro roubado no dia anterior, pertencente a um amigo ou a um vizinho, passou a ser uma conversa comum nos locais de trabalho.
A corrupção policial é decantada em cada roda de amigos. Em regra o narrador, o corrupto ativo, se vangloria de ter “comprado” por míseros trocados o policial, o corrupto passivo. E o medo cresce entre nós.
Tudo isso nos conduz à necessidade de uma dura escolha, que não pode mais ser adiada, sob pena do agravamento irremediável do problema: Ou a sociedade fluminense enfrenta verdadeiramente a busca de soluções para a insegurança pública ou seremos vítimas dela, mais cedo ou mais tarde.
Infelizmente, a participação da sociedade fluminense tem se restringido ao momento do voto, como se a partir daquele momento, optando por um candidato e por sua plataforma política, nós estivéssemos isentos de responsabilidade no processo. Esquecemos que a Constituição Federal sabiamente ensina que a segurança pública é dever do estado, porém é responsabilidade de todos.
Portanto, ouso propor que esse novo caminho, mais viável e rápido, para que comecemos a reverter esse caos, o engajamento da sociedade fluminense na gestão da segurança pública numa mobilização social efetiva, que vá muito além da participação nos Conselhos Comunitários de Segurança, que sem qualquer sombra de dúvida, são muito relevantes, porém precisamos muito mais do que isso, diante da gravidade do quadro atual. O caso é de vida e de morte.
O cidadão precisa exercer um verdadeiro controle externo da atividade policial e deve conhecer a “política de segurança pública” implantada no estado, bem como a forma como está sendo gasto o dinheiro público nessa área de vital importância.
Enquanto a sociedade fluminense não se engajar numa verdadeira mobilização cívica, nunca conseguirá receber os serviços públicos com a qualidade que precisa e que merece, como patrocinadora do estado.
“Juntos Somos Fortes”, expressão da mobilização cívica dos Policiais Militares e dos Bombeiros Militares que lutam por salários dignos e por adequadas condições de trabalho, deve ser um lema social. Juntos nós podemos começar a diminuir o nosso medo, construindo uma segurança pública de qualidade”.
O modelo estrutural e conjuntural atualmente adotado no Estado do Rio de Janeiro se mostra ineficiente e já foi experimentado em diferentes governos, nunca tendo alcançado os resultados necessários. O foco tem que ser o resultado, essa é a regra básica. O modelo que não está dando certo, precisa ser alterado, caso contrário, nós insistiremos no erro, o que ofende a inteligência mediana.
No aspecto estrutural, por exemplo, criar as Secretarias Estaduais da Polícia Militar e da Polícia Civil, em substituição à Secretaria Estadual de Segurança, permitirá economia de recursos humanos e materiais, além de uma maior integração entre as instituições policiais, o primeiro passo na busca de uma maior eficiência. Na realidade, a proposta é eliminar esse estágio intermediário que tem como função coordenar a Polícia Militar e a Polícia Civil, o que é plenamente substituível pela integração.
No tocante à conjuntura, valorizar os policiais é indispensável para o sucesso de qualquer política de segurança pública e isso nunca foi tentado. Um policial militar não pode ganhar menos de R$ 30,00 (trinta reais) por dia para arriscar a sua vida em defesa da sociedade. Isso é um absurdo! Nunca deixaremos esse momento de insegurança enquanto os policiais receberem salários famélicos, que os obrigam a buscar o segundo emprego, por uma questão de sobrevivência com um mínimo de dignidade.
O policial, ao utilizar como ferramenta de trabalho uma arma de guerra, o fuzil, deveria, em tese, reduzir a possibilidade de erro, principalmente em razão do alcance e da letalidade desse armamento que é utilizado nas ruas do Rio de Janeiro. Contudo, o segundo emprego, o famigerado “bico”, desgasta fisicamente o policial, que emocionalmente já sofre com o estresse profissional, o que aumenta em muito a possibilidade de erro. Cansado e estressado o policial é empregado diuturnamente no confronto armado, usando a sua “arma de guerra”.
Por outro lado, a tática repressiva de enfrentamento armado aos “vendedores de drogas”, transformada em “política de segurança pública”, novamente está sendo repetida o que potencializa o uso de armas de fogo tanto por policiais quanto por traficantes.
Numa primeira vista, estatisticamente, em alguns casos, ela produz resultados incontestáveis, como o número de armas e a quantidade de drogas apreendidas, assim como o número de criminosos presos ou mortos em confronto.
Porém, infelizmente, gera outros dados estatísticos macabros, como a morte de policiais e a morte de cidadãos inocentes, moradores de comunidades carentes, vítimas das denominadas “balas perdidas”, sem contar os danos causados ao patrimônio público e particular.
Urge, portanto, que seja estabelecida, com a participação da sociedade, uma nova política de segurança pública, inclusive com as ações preventivas indispensáveis, para substituir essa “tática de confronto”, a qual deve também ser empregada, porém de forma pontual e precedida de rigoroso planejamento, que minimize o risco de morte.
Na verdade, para construir um futuro melhor com maior segurança, a sociedade fluminense precisa acordar e participar da reconstrução do atual modelo de segurança pública.
JUNTOS SOMOS FORTES!
3º ARTIGO
Raízes da Impunidade: A Baixa Taxa de Elucidação dos Delitos
Hoje, aparentemente mais do que ontem, tem sido comum nos depararmos com grandes operações ostensivas levadas a efeito por parte de servidores públicos da Polícia Civil do RJ.
Tais operações, em que participam funcionários de diversas delegacias "especializadas", paramentados das mais variadas formas, têm logrado cobertura quase cinematográfica da mídia fluminense. Helicópteros, homens de preto, roupas camufladas, coletes os mais variados, toucas ninja, etc, têm feito parte do cotidiano das ações da polícia investigativa do RJ.
Como resultados de tais operações, temos visto apreensões de armas, drogas e mortes, não poucas mortes e não apenas de supostos criminosos, mas também de inocentes, mesmo crianças.
Diante de tal quadro e de seu potencial lesivo, urge que façamos algumas reflexões.
De quem é a atribuição para a diferenciação entre o caráter suposto e expresso de tais criminosos vitimados? E de quem é a competência para a individualização de condutas delituosas eventualmente praticadas pela própria polícia no curso de tais operações?
A competência é da polícia investigativa do RJ. Da mesma que, travestida de "Rambo" e leniente em relação aos seus próprios abusos e desmandos, parece estar sendo direcionada a tudo, menos a sua atribuição precípua, que é investigar e elucidar delitos.
E por que elucidar delitos é tão importante?
Por que impunidade é força motora de delitos. Embora seja fato que a mera presença ostensiva da polícia pode deslocar determinadas práticas criminosas, somente a (quase) certeza de aplicação da sanção penal (seja ela qual for) poderá refletir a máxima de que "o crime não compensa".
Mas, a propósito, como anda a polícia investigativa fluminense no quesito "elucidação"?
Estranhamente, as estatísticas oficiais da segurança pública do RJ, disponíveis a partir do sítio de seu Instituto de Segurança Pública (www.isp.rj.gov.br), não fazem menção a tal quesito nem mesmo quando aborda a denominada "produção policial".
No único momento em que foram divulgadas (Boletim Mensal de Monitoramento e Análise, ano I, nº. 02, julho/2003), as taxas de elucidação de delitos ostentadas pela Polícia Civil (delegacias legais) eram as seguintes:
Roubo a banco - 2%
Roubo de carga - 5,4%
Roubo em estabelecimento comercial - 3,7
Roubo a transeunte - 3%
Roubo em residência - 4,5%
Roubo em coletivo - 3,9%
Homicídios dolosos - 2,7%
Parece pouco? É menos ainda, uma vez que contemplam até mesmo as prisões em flagrante que, convenhamos, tendem a ser muito mais numerosas tendo por origem policiais militares do que civis.
Talvez realmente não seja de bom alvitre - "politicamente" falando - tornar a realizar a divulgação de tais taxas. Afinal, em o fazendo, a gestão da segurança pública estaria fomentando a idéia de que tal quesito tem importância no contexto de sua pasta.
Buscando dados alusivos a realidades distintas, em que talvez investigadores sejam menos ostensivos e mais eficazes, temos taxas também bastante distintas e, não por acaso, índices criminais menos desfavoráveis à população.
Segundo o sociólogo Ignacio Cano, países como Inglaterra, Austrália e os da Escandinávia têm uma taxa de elucidação de homicídios entre 50% e 75%.
No Japão, as taxas chegam a impressionantes 90%. Suas taxas de homicídios estão entre as taxas menores do mundo.
Em Curitiba, PR, no ano de 2006, 40% dos homicídios registrados na delegacia especializada foram elucidados. No mesmo ano, a média mensal de registros do RJ quase atingiu a totalidade do ano no PR.
Nos Estados Unidos da América, 65% dos homicidas são levados a julgamento.
De acordo com artigo publicado na Folha de São Paulo em 03/12/2006, de autoria de José Alexandre Scheinkman, estimativas do efeito de punições na taxa de criminalidade indicam que se a polícia fluminense atingisse a metade da eficácia que a polícia americana exibe na resolução de crimes, os homicídios no Estado cairiam quase 40%.
No RJ, descontando-se as prisões em flagrante delito, as taxas de elucidação de homicídios caem para impressionantes 0,7%. Significa dizer que a cada cem homicídios praticados, nem mesmo um chega a ser elucidado.
Verificando que temos mais de quinhentos homicídios por mês em média no estado, chegamos à calamitosa conclusão de que nem mesmo quatro chegam a ser elucidados.
Começa, então, a fazer sentido, a sensação de que a vida humana vale quase nada no Rio de Janeiro, onde a polícia judiciária é ostensiva, possui letalidade singular, utiliza "fardas", luta com unhas e dentes para impedir a autonomia da perícia criminal e o encaminhamento de pequenos delitos diretamente ao poder judiciário por parte dos policiais militares, e ostenta com orgulho esquadrões e "tropas" de elite; onde a investigação criminal está falida.
No Rio de Janeiro, em que a atuação dos dirigentes da polícia investigativa transita entre o "saber jurídico" e as "táticas de guerra", a impunidade, fruto da absoluta ineficácia do sistema de investigação criminal, prospera.
No Rio de Janeiro o crime compensa.
O MSC foi constituído a partir da união dos oficiais superiores que compõem o grupo dos Barbonos, grupo este composto exclusivamente por coronéis da Polícia Militar, dos oficiais e praças do grupo denominado Os 40 da Evaristo e dos oficiais e praças que apesar de não pertencerem a nenhum dos dois grupos, apóiam o conjunto das reivindicações defendidas pelos grupos referidos.
O MSC é um movimento essencialmente pautado pelos princípios da cidadania, como forma de expressão e reação da sociedade em face do recrudescimento da violência urbana, mormente caracterizada pela alta incidência de homicídios e roubos, situação esta agravada não só por fatores sociais, mas, principalmente, pelo crescimento da corrupção institucional, constantemente estimulada pelo sentimento generalizado de impunidade que permeia o tecido social como um todo.
Contudo, independentemente dos fatores externos que afetam diretamente a segurança pública, tais como a desestruturação familiar, o desemprego e a evasão escolar, dentre outros, o MSC não pretende permanecer de braços cruzados aguardando soluções mágicas para resolver essas graves questões.
Pretende-se sim, apresentar propostas, objetivas e consistentes, alternativas ao atual modelo de segurança pública, para mudar o quadro de medo e insegurança que assola o Brasil, o Estado do Rio de Janeiro como um todo e, em particular a Cidade do Rio de Janeiro.
O MSC, portanto, apresenta como objetivo superior viabilizar a efetivação de uma completa reforma institucional no atual modelo de segurança pública, com profundas mudanças estruturais no modo de organização e funcionamento das instituições encarregadas da segurança pública. Enfim, uma reforma que seja capaz de subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas substantivas nas áreas de justiça criminal e segurança pública.
Não obstante a necessidade de mudanças no texto constitucional para viabilizar a efetivação de uma completa reforma institucional no atual modelo de segurança pública, o MSC propõe, no âmbito da PMERJ, a persecução dos seguintes objetivos específicos que, sem qualquer sombra de dúvida produzirão impacto positivo na melhoria da qualidade de vida da nossa sofrida população:
1) A VALORIZAÇÃO DO POLICIAL MILITAR: é inconcebível que num Estado como o Rio de Janeiro, que possui a segunda maior arrecadação do país, o soldado policial militar receba a segunda pior remuneração, ou seja, um vencimento líquido que não ultrapassa R$ 900,00 (novecentos reais) por mês ou menos de R$ 30,00 (trinta reais) por dia. O policial militar é, de fato, o maior patrimônio da sociedade. Torna-se indispensável, então, valorizá-lo como cidadão pleno, e apóia-lo em todos os aspectos inerentes a sua atividade (ético, legal, moral, material etc.) recompensando-o justamente com uma remuneração digna, uma formação policial de qualidade e dotação de equipamentos adequados para que ele possa proteger e servir a sociedade com devoção e profissionalismo.
2) FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL: urge reformular toda a estrutura de ensino da Corporação. Nos dias de hoje torna-se fundamental estabelecer canais permanentes de interlocução e de parceria a Universidade, de modo a garantir excelência nos processos de formação e de capacitação profissional dos policiais militares. Não podemos mais aceitar passivamente o fato de que alunos dos cursos de formação ou policiais já formados que se encontram na condição de alunos nos diversos cursos de formação, aperfeiçoamento ou especialização sejam afetados por demandas intempestivas e injustificadas por aumento de efetivo. Não se justifica prejudicar a instrução a pretexto de aumentar o efetivo do policiamento ostensivo extraordinário ou até mesmo de acelerar a formatura de uma nova turma para colocar mais policiais na rua. O resultado dessas “políticas de mobilização de efetivo” é pífio e a combinação deles pode ser explosiva: policiais mal formados, mal preparados para o exercício do ofício, e população mal assistida, passível de se tornar vítimas em potencial dos erros profissionais.
3) MODERNIZAÇÃO E GESTÃO ORGANIZACIONAL: infelizmente, ao longo das últimas décadas as ações de combate à criminalidade, perpetradas pela PMERJ, têm se mostrado ineficientes. Tal realidade pode ser traduzida através de distintos indicadores de ineficiência dentre os quais podemos destacar o modelo policial brasileiro de funções bipartidas, a ideologização militar da segurança pública, a baixíssima taxa de elucidação de delitos, a reprodução sistemática de uma tática operacional de contenção reativa, a forte ingerência política na área da segurança pública, o elevado número de policiais desviados de função (à disposição de diversos órgãos e autoridades), a falta de confiança da população nas instituições policiais, a falta de incentivo e de comprometimento dos policiais com o serviço em razão dos baixíssimos soldos, o crescente comprometimento de policiais com atividades e práticas delituosas diversas. Por outro lado, o modelo de estrutura organizacional da Corporação peca pelo excesso de centralização administrativa, conferindo pouca autonomia aos operadores que estão atuando na ponta da linha. A prática da avaliação não é medida recorrente o que afeta diretamente qualquer possibilidade de se pensar a mudança e o desenvolvimento institucional, pois, só se muda àquilo que pode ser medido. Como não há indicadores de avaliação de desempenho funcional e institucional, objetivos e consistentes, as mudanças não ocorrem e o sistema não opera como deveria. Reproduzem-se então os velhos padrões e rotinas tradicionais de gerenciamento organizacional, extremamente pesada e que já não mais atendem as expectativas e demandas da Corporação e da sociedade.
1º ARTIGO
"Os Desafios da Reforma do Modelo Brasileiro de Segurança Pública"
Tenente – Coronel de Polícia
Antonio Carlos Carballo Blanco
Introdução
No próximo dia 05 de outubro, a Constituição da República (CR) completará vinte anos de vigência. De lá pra cá pouca coisa mudou no campo da segurança pública. Ainda persistem velhos problemas de natureza estrutural que, por omissão e permissividade dos distintos atores políticos, concorrem para agravar o quadro da segurança pública no Brasil.
O que se segue é tão somente uma reflexão preliminar sobre alguns dos principais desafios estruturais que se impõem para reformar o atual modelo de segurança pública. No bojo desses desafios perpassam alguns dilemas, contradições e paradoxos que interferem diretamente na prática policial cidadã de uma sociedade que se pretende reger sob a égide do Estado Social Democrático de Direito.
Nesse contexto, institutos como o foro privilegiado, a prisão especial e o inquérito policial, por exemplo, servem tão somente para gerar mais iniqüidades e desequilíbrios sociais, condicionantes estas essenciais para o agravamento da situação de injustiça social e de impunidade que tanto assola a sociedade brasileira.
No âmbito das instituições policiais, questões como a ideologização militar e bélica do serviço policial e o modelo de funções bipartidas são desafios de primeira magnitude que não podem ser adiados sob pena de falência múltipla dos poderes constituídos e das instituições democráticas.
Sobre a ideologização militar e bélica do serviço policial.
Não obstante o fato de haver previsão legal para a elaboração de uma nova legislação com vistas a disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades, conforme se lê no § 7º do Art. 144 da CR, passado quase quarenta anos desde a edição do Ato Institucional nº. 5 (AI – 5), nada ou quase nada foi feito no sentido de reformar o atual modelo de segurança pública brasileiro, bem assim as instituições policiais que compõe esse “sistema”.
Ainda hoje, todo o arcabouço jurídico que regula a organização e o funcionamento das polícias militares, em especial o Decreto – Lei nº. 667, de 02 de julho de 1969, e o Decreto nº. 88.777, de 30 de setembro de 1983, é oriundo do AI – 5, por força do § 1º do Art. 2º, nos seguintes termos:
Ato Institucional nº. 5
No próximo dia 05 de outubro, a Constituição da República (CR) completará vinte anos de vigência. De lá pra cá pouca coisa mudou no campo da segurança pública. Ainda persistem velhos problemas de natureza estrutural que, por omissão e permissividade dos distintos atores políticos, concorrem para agravar o quadro da segurança pública no Brasil.
O que se segue é tão somente uma reflexão preliminar sobre alguns dos principais desafios estruturais que se impõem para reformar o atual modelo de segurança pública. No bojo desses desafios perpassam alguns dilemas, contradições e paradoxos que interferem diretamente na prática policial cidadã de uma sociedade que se pretende reger sob a égide do Estado Social Democrático de Direito.
Nesse contexto, institutos como o foro privilegiado, a prisão especial e o inquérito policial, por exemplo, servem tão somente para gerar mais iniqüidades e desequilíbrios sociais, condicionantes estas essenciais para o agravamento da situação de injustiça social e de impunidade que tanto assola a sociedade brasileira.
No âmbito das instituições policiais, questões como a ideologização militar e bélica do serviço policial e o modelo de funções bipartidas são desafios de primeira magnitude que não podem ser adiados sob pena de falência múltipla dos poderes constituídos e das instituições democráticas.
Sobre a ideologização militar e bélica do serviço policial.
Não obstante o fato de haver previsão legal para a elaboração de uma nova legislação com vistas a disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades, conforme se lê no § 7º do Art. 144 da CR, passado quase quarenta anos desde a edição do Ato Institucional nº. 5 (AI – 5), nada ou quase nada foi feito no sentido de reformar o atual modelo de segurança pública brasileiro, bem assim as instituições policiais que compõe esse “sistema”.
Ainda hoje, todo o arcabouço jurídico que regula a organização e o funcionamento das polícias militares, em especial o Decreto – Lei nº. 667, de 02 de julho de 1969, e o Decreto nº. 88.777, de 30 de setembro de 1983, é oriundo do AI – 5, por força do § 1º do Art. 2º, nos seguintes termos:
Ato Institucional nº. 5
Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
Em que pese o fato do ato ter vigorado até 13 de dezembro de 1978 e dez anos mais tarde ter sido promulgada a nova constituição brasileira, a constituição democrática e cidadã, as derivações resultantes dos atos institucionais discricionários do regime militar ainda continuam a produzir seus efeitos.
Observa-se, pois, que toda a legislação que constitui o alicerce organizacional e a base cultural das organizações policiais militares foi forjada sob o ideário da doutrina da segurança nacional, da ordem e segurança internas e do inimigo subversivo.
Não há, portanto, no campo político, nenhum tipo de relação imediata ou nexo causal que delimite de forma clara, objetiva e consistente o alcance do mandato da atividade policial militar exclusivamente na área da segurança pública. O paradigma que prevalece é resultante da lógica militar e de uma cultura bélica de que a idéia de serviço deve necessariamente estar subordinada a uma idéia superior de força.
Não se trata aqui de desqualificar o modelo de administração baseado na estrutura militar, mas sim de destacar as implicações nefastas que o processo de ideologização militar e bélica do serviço policial pode acarretar para a segurança pública.
De certa forma, o próprio Decreto – Lei nº. 667 reforça esse apelo bélico ao definir, por exemplo, logo no seu Art. 1º, as polícias militares como forças auxiliares e reservas do exército como também ao incumbir a responsabilidade pelo controle e coordenação das Polícias Militares ao Ministério do Exército.
Decreto – Lei nº. 667
Art. 1º As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei.
Parágrafo único. O Ministério do Exército exerce o controle e a coordenação das Polícias Militares, sucessivamente através dos seguintes órgãos, conforme se dispuser em regulamento:
Outras passagens constantes do Decreto – Lei nº. 667, bem assim do Decreto nº. 88.777, reforçam no plano simbólico, cultural, funcional e organizacional a ideologização militar e bélica do serviço policial que tanto caracteriza o paradigma militarista da segurança pública.
A função policial é essencialmente, por sua natureza intrínseca, considerada uma atividade discricionária. Nesse sentido o policial militar não pode estar nem tampouco ser constrangido a não exercer esse atributo profissional. A ideologia militar ou paradigma militarista vai de encontro a essa perspectiva funcional. Tolher a capacidade de o policial refletir criticamente sobre a sua realidade e a realidade de seu entorno significa, em última instância, reduzir as potencialidades cognitivas, instrumentais ou utilitários que o policial poderá despender no exercício de seu labor.
Também tem sua parcela de contribuição nesse processo de alienação e confusão mental para definição dos limites entre a lei e a ordem, o academicismo jurídico que é conduzido de maneira dogmática e desprovido de críticas.
Os efeitos desse antagonismo anacrônico, por mais paradoxal que pareça, geram comportamentos complacentes e irresponsáveis, pois, sob o mando militar, os fins podem justificar os meios enquanto que no mando policial é a lei, somente a lei, consentida e legitimada pela sociedade, é que pode justificar os meios. As contradições impostas por esse cenário e seus efeitos são percebidas diariamente na prática policial e no cotidiano urbano das grandes metrópoles.
Esses efeitos perversos, bastante retratados pelos veículos de comunicação social, tais como “bala perdida”, “grupos de extermínio” e “milícias” se constituem tão somente em função de diferentes interesses políticos e manifestações de parcela significativa da sociedade, com poder de formar opinião, que legitimam tais ilicitudes e práticas bélicas, apesar de serem totalmente incompatíveis com os próprios princípios e preceitos constitucionais que caracterizam o Estado de Direito.
Urge, portanto, no âmbito da União, nos termos do inciso XXI do Art. 22 da CR, iniciar o processo de transição democrática das instituições policiais, conforme previsto no § 7º do Art. 144 da CR.
Sobre o modelo de funções bipartidas.
A Constituição de 1988 consagrou o modelo de funções policiais bipartidas, ou seja, uma instituição policial (Polícia Militar) para exercer funções de polícia ostensiva e preservação da ordem pública e uma outra instituição (Polícia Civil) para investigar a autoria e a materialidade dos crimes e contravenções.
Tal modelo cria uma lacuna funcional decorrente do intervalo entre a prática do crime e a investigação policial. A existência de instituições policiais distintas envolvidas num mesmo processo concorre para aprofundar as dificuldades decorrentes, por exemplo, de um trabalho policial de investigação preliminar, da preservação do local de crime etc.
O mais curioso desse modelo é que em nenhuma outra instituição policial, especialmente dos países considerados civilizados adota essa bipartição. A regra comum é que haja diferenças de competências territoriais ou funcionais ou ambas, mas que se preserve o ciclo completo da atividade policial. Por que será que o Brasil insiste em adotar esse modelo em total descompasso com o que há de melhor no mundo em termos de Polícia?
Talvez a resposta esteja no próprio modelo de sociedade sobre que insistimos reproduzir. Uma sociedade de privilégios e prerrogativas, hierárquica e relacional, pautada pela apropriação patrimonial do espaço público como extensão preferencial dos interesses privados. Uma sociedade desigual por princípio e fim.
Fica fácil então de compreender o porquê de termos uma polícia de investigação que se esmera mais em conduzir burocraticamente os procedimentos cartoriais do que efetivamente realizar um trabalho de investigação científica tecnicamente orientada para a produção de provas. Infelizmente, as baixas taxas de elucidação de delitos comprovam essa triste realidade.
A Constituição de 1988 consagrou o modelo de funções policiais bipartidas, ou seja, uma instituição policial (Polícia Militar) para exercer funções de polícia ostensiva e preservação da ordem pública e uma outra instituição (Polícia Civil) para investigar a autoria e a materialidade dos crimes e contravenções.
Tal modelo cria uma lacuna funcional decorrente do intervalo entre a prática do crime e a investigação policial. A existência de instituições policiais distintas envolvidas num mesmo processo concorre para aprofundar as dificuldades decorrentes, por exemplo, de um trabalho policial de investigação preliminar, da preservação do local de crime etc.
O mais curioso desse modelo é que em nenhuma outra instituição policial, especialmente dos países considerados civilizados adota essa bipartição. A regra comum é que haja diferenças de competências territoriais ou funcionais ou ambas, mas que se preserve o ciclo completo da atividade policial. Por que será que o Brasil insiste em adotar esse modelo em total descompasso com o que há de melhor no mundo em termos de Polícia?
Talvez a resposta esteja no próprio modelo de sociedade sobre que insistimos reproduzir. Uma sociedade de privilégios e prerrogativas, hierárquica e relacional, pautada pela apropriação patrimonial do espaço público como extensão preferencial dos interesses privados. Uma sociedade desigual por princípio e fim.
Fica fácil então de compreender o porquê de termos uma polícia de investigação que se esmera mais em conduzir burocraticamente os procedimentos cartoriais do que efetivamente realizar um trabalho de investigação científica tecnicamente orientada para a produção de provas. Infelizmente, as baixas taxas de elucidação de delitos comprovam essa triste realidade.
2º ARTIGO
A insegurança pública nossa de cada dia.
A insegurança pública nossa de cada dia.
Coronel de Polícia
Paulo Ricardo Paúl.
Paulo Ricardo Paúl.
O problema da insegurança pública vivenciado pela população fluminense é crônico, não surgiu da noite para o dia, foi sendo construído ao longo dos anos, ora pela omissão governamental, ora pelo estabelecimento de “políticas” equivocadas. As ilicitudes e as irregularidades se multiplicam nas ruas com uma velocidade inversamente proporcional à capacidade estatal de encontrar soluções para o problema.
O crescimento em escala geométrica do transporte alternativo clandestino, dos caça-níqueis e das milícias armadas, com as suas disputas de território, ceifando vidas, são alguns dos exemplos mais recentes. A criminalidade avança e a população recua, enquanto os governantes não conseguem estabelecer políticas públicas que permitam o controle desse quadro caótico de insegurança. O que nunca faltaram foram promessas políticas para solucionar o problema.
No campo acadêmico, incontáveis palestras, debates e seminários sobre o tema já foram realizados nessa cidade de natureza tão maravilhosa, onde as mais variadas propostas foram apresentadas e a criminalidade violenta continua crescendo.
Quem não ouviu falar no fantástico programa de “tolerância zero”, adotado na cidade de Nova Iorque e que teria diminuído drasticamente a criminalidade? Incontáveis vezes esse programa foi citado por estudiosos do tema, como uma verdadeira panacéia, a solução para todos os males decorrentes da atividade criminosa. A idéia é simples: reprimindo os pequenos delitos, evitamos a ocorrência dos grandes delitos.
O policiamento comunitário, importado dos Estados Unidos e do Canadá, que começou a ser implantado na gestão de Governo de Leonel Brizola, quando era Secretário de Estado de Polícia Militar e Comandante Geral o Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, foi uma importante semente que até a presente data não deu frutos nem tampouco fincou as necessárias raízes. A propalada “Polícia Cidadã” nunca surge de fato.
Enquanto isso, as mazelas policiais são citadas a todo o momento: O número de policiais é insuficiente; os policiais são mal preparados; mal equipados; violentos; arbitrários; não respeitam os direitos humanos e ainda ganham muito mal, o que é uma verdade.
O problema da insegurança parece insolúvel e a conseqüência natural dessa situação foi o surgimento do medo generalizado na população, que muda os seus hábitos, na busca de uma menor exposição a esse flagelo social.
Nesse contexto, o cidadão fluminense, empiricamente, acaba adotando mecanismos de defesa, dentre eles, o hábito de não sair de casa à noite, privando a si mesmo da liberdade de ir e vir. O carro roubado no dia anterior, pertencente a um amigo ou a um vizinho, passou a ser uma conversa comum nos locais de trabalho.
A corrupção policial é decantada em cada roda de amigos. Em regra o narrador, o corrupto ativo, se vangloria de ter “comprado” por míseros trocados o policial, o corrupto passivo. E o medo cresce entre nós.
Tudo isso nos conduz à necessidade de uma dura escolha, que não pode mais ser adiada, sob pena do agravamento irremediável do problema: Ou a sociedade fluminense enfrenta verdadeiramente a busca de soluções para a insegurança pública ou seremos vítimas dela, mais cedo ou mais tarde.
Infelizmente, a participação da sociedade fluminense tem se restringido ao momento do voto, como se a partir daquele momento, optando por um candidato e por sua plataforma política, nós estivéssemos isentos de responsabilidade no processo. Esquecemos que a Constituição Federal sabiamente ensina que a segurança pública é dever do estado, porém é responsabilidade de todos.
Portanto, ouso propor que esse novo caminho, mais viável e rápido, para que comecemos a reverter esse caos, o engajamento da sociedade fluminense na gestão da segurança pública numa mobilização social efetiva, que vá muito além da participação nos Conselhos Comunitários de Segurança, que sem qualquer sombra de dúvida, são muito relevantes, porém precisamos muito mais do que isso, diante da gravidade do quadro atual. O caso é de vida e de morte.
O cidadão precisa exercer um verdadeiro controle externo da atividade policial e deve conhecer a “política de segurança pública” implantada no estado, bem como a forma como está sendo gasto o dinheiro público nessa área de vital importância.
Enquanto a sociedade fluminense não se engajar numa verdadeira mobilização cívica, nunca conseguirá receber os serviços públicos com a qualidade que precisa e que merece, como patrocinadora do estado.
“Juntos Somos Fortes”, expressão da mobilização cívica dos Policiais Militares e dos Bombeiros Militares que lutam por salários dignos e por adequadas condições de trabalho, deve ser um lema social. Juntos nós podemos começar a diminuir o nosso medo, construindo uma segurança pública de qualidade”.
O modelo estrutural e conjuntural atualmente adotado no Estado do Rio de Janeiro se mostra ineficiente e já foi experimentado em diferentes governos, nunca tendo alcançado os resultados necessários. O foco tem que ser o resultado, essa é a regra básica. O modelo que não está dando certo, precisa ser alterado, caso contrário, nós insistiremos no erro, o que ofende a inteligência mediana.
No aspecto estrutural, por exemplo, criar as Secretarias Estaduais da Polícia Militar e da Polícia Civil, em substituição à Secretaria Estadual de Segurança, permitirá economia de recursos humanos e materiais, além de uma maior integração entre as instituições policiais, o primeiro passo na busca de uma maior eficiência. Na realidade, a proposta é eliminar esse estágio intermediário que tem como função coordenar a Polícia Militar e a Polícia Civil, o que é plenamente substituível pela integração.
No tocante à conjuntura, valorizar os policiais é indispensável para o sucesso de qualquer política de segurança pública e isso nunca foi tentado. Um policial militar não pode ganhar menos de R$ 30,00 (trinta reais) por dia para arriscar a sua vida em defesa da sociedade. Isso é um absurdo! Nunca deixaremos esse momento de insegurança enquanto os policiais receberem salários famélicos, que os obrigam a buscar o segundo emprego, por uma questão de sobrevivência com um mínimo de dignidade.
O policial, ao utilizar como ferramenta de trabalho uma arma de guerra, o fuzil, deveria, em tese, reduzir a possibilidade de erro, principalmente em razão do alcance e da letalidade desse armamento que é utilizado nas ruas do Rio de Janeiro. Contudo, o segundo emprego, o famigerado “bico”, desgasta fisicamente o policial, que emocionalmente já sofre com o estresse profissional, o que aumenta em muito a possibilidade de erro. Cansado e estressado o policial é empregado diuturnamente no confronto armado, usando a sua “arma de guerra”.
Por outro lado, a tática repressiva de enfrentamento armado aos “vendedores de drogas”, transformada em “política de segurança pública”, novamente está sendo repetida o que potencializa o uso de armas de fogo tanto por policiais quanto por traficantes.
Numa primeira vista, estatisticamente, em alguns casos, ela produz resultados incontestáveis, como o número de armas e a quantidade de drogas apreendidas, assim como o número de criminosos presos ou mortos em confronto.
Porém, infelizmente, gera outros dados estatísticos macabros, como a morte de policiais e a morte de cidadãos inocentes, moradores de comunidades carentes, vítimas das denominadas “balas perdidas”, sem contar os danos causados ao patrimônio público e particular.
Urge, portanto, que seja estabelecida, com a participação da sociedade, uma nova política de segurança pública, inclusive com as ações preventivas indispensáveis, para substituir essa “tática de confronto”, a qual deve também ser empregada, porém de forma pontual e precedida de rigoroso planejamento, que minimize o risco de morte.
Na verdade, para construir um futuro melhor com maior segurança, a sociedade fluminense precisa acordar e participar da reconstrução do atual modelo de segurança pública.
JUNTOS SOMOS FORTES!
3º ARTIGO
Raízes da Impunidade: A Baixa Taxa de Elucidação dos Delitos
Major de Polícia
Wanderby Braga de Medeiros
Wanderby Braga de Medeiros
Hoje, aparentemente mais do que ontem, tem sido comum nos depararmos com grandes operações ostensivas levadas a efeito por parte de servidores públicos da Polícia Civil do RJ.
Tais operações, em que participam funcionários de diversas delegacias "especializadas", paramentados das mais variadas formas, têm logrado cobertura quase cinematográfica da mídia fluminense. Helicópteros, homens de preto, roupas camufladas, coletes os mais variados, toucas ninja, etc, têm feito parte do cotidiano das ações da polícia investigativa do RJ.
Como resultados de tais operações, temos visto apreensões de armas, drogas e mortes, não poucas mortes e não apenas de supostos criminosos, mas também de inocentes, mesmo crianças.
Diante de tal quadro e de seu potencial lesivo, urge que façamos algumas reflexões.
De quem é a atribuição para a diferenciação entre o caráter suposto e expresso de tais criminosos vitimados? E de quem é a competência para a individualização de condutas delituosas eventualmente praticadas pela própria polícia no curso de tais operações?
A competência é da polícia investigativa do RJ. Da mesma que, travestida de "Rambo" e leniente em relação aos seus próprios abusos e desmandos, parece estar sendo direcionada a tudo, menos a sua atribuição precípua, que é investigar e elucidar delitos.
E por que elucidar delitos é tão importante?
Por que impunidade é força motora de delitos. Embora seja fato que a mera presença ostensiva da polícia pode deslocar determinadas práticas criminosas, somente a (quase) certeza de aplicação da sanção penal (seja ela qual for) poderá refletir a máxima de que "o crime não compensa".
Mas, a propósito, como anda a polícia investigativa fluminense no quesito "elucidação"?
Estranhamente, as estatísticas oficiais da segurança pública do RJ, disponíveis a partir do sítio de seu Instituto de Segurança Pública (www.isp.rj.gov.br), não fazem menção a tal quesito nem mesmo quando aborda a denominada "produção policial".
No único momento em que foram divulgadas (Boletim Mensal de Monitoramento e Análise, ano I, nº. 02, julho/2003), as taxas de elucidação de delitos ostentadas pela Polícia Civil (delegacias legais) eram as seguintes:
Roubo a banco - 2%
Roubo de carga - 5,4%
Roubo em estabelecimento comercial - 3,7
Roubo a transeunte - 3%
Roubo em residência - 4,5%
Roubo em coletivo - 3,9%
Homicídios dolosos - 2,7%
Parece pouco? É menos ainda, uma vez que contemplam até mesmo as prisões em flagrante que, convenhamos, tendem a ser muito mais numerosas tendo por origem policiais militares do que civis.
Talvez realmente não seja de bom alvitre - "politicamente" falando - tornar a realizar a divulgação de tais taxas. Afinal, em o fazendo, a gestão da segurança pública estaria fomentando a idéia de que tal quesito tem importância no contexto de sua pasta.
Buscando dados alusivos a realidades distintas, em que talvez investigadores sejam menos ostensivos e mais eficazes, temos taxas também bastante distintas e, não por acaso, índices criminais menos desfavoráveis à população.
Segundo o sociólogo Ignacio Cano, países como Inglaterra, Austrália e os da Escandinávia têm uma taxa de elucidação de homicídios entre 50% e 75%.
No Japão, as taxas chegam a impressionantes 90%. Suas taxas de homicídios estão entre as taxas menores do mundo.
Em Curitiba, PR, no ano de 2006, 40% dos homicídios registrados na delegacia especializada foram elucidados. No mesmo ano, a média mensal de registros do RJ quase atingiu a totalidade do ano no PR.
Nos Estados Unidos da América, 65% dos homicidas são levados a julgamento.
De acordo com artigo publicado na Folha de São Paulo em 03/12/2006, de autoria de José Alexandre Scheinkman, estimativas do efeito de punições na taxa de criminalidade indicam que se a polícia fluminense atingisse a metade da eficácia que a polícia americana exibe na resolução de crimes, os homicídios no Estado cairiam quase 40%.
No RJ, descontando-se as prisões em flagrante delito, as taxas de elucidação de homicídios caem para impressionantes 0,7%. Significa dizer que a cada cem homicídios praticados, nem mesmo um chega a ser elucidado.
Verificando que temos mais de quinhentos homicídios por mês em média no estado, chegamos à calamitosa conclusão de que nem mesmo quatro chegam a ser elucidados.
Começa, então, a fazer sentido, a sensação de que a vida humana vale quase nada no Rio de Janeiro, onde a polícia judiciária é ostensiva, possui letalidade singular, utiliza "fardas", luta com unhas e dentes para impedir a autonomia da perícia criminal e o encaminhamento de pequenos delitos diretamente ao poder judiciário por parte dos policiais militares, e ostenta com orgulho esquadrões e "tropas" de elite; onde a investigação criminal está falida.
No Rio de Janeiro, em que a atuação dos dirigentes da polícia investigativa transita entre o "saber jurídico" e as "táticas de guerra", a impunidade, fruto da absoluta ineficácia do sistema de investigação criminal, prospera.
No Rio de Janeiro o crime compensa.
3 comentários:
Mais um excelente veículo de comunicação entre a sociedade e os policiais que demonstram querer mudar o atual quadro em que vivemos.
Parabéns aos Oficiais e Praças do MSC!
Podriam explicar para o alexandre, the great que não tem praças aí. Só oficiais, por favor?
E daí?
Enquanto civil e destinatário da "segurança pública", o que me importa é "o que" está sendo mostrado e NÃO "quem" está mostrando.
Não tenho nada a ver com eventuais rixas internas.
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