sexta-feira, 12 de setembro de 2008

BI nº 6 - Movimento Segurança Cidadã

Ano I – nº. 6, 12 de setembro de 2008

Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.

OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO

Sumário:

Editorial: Entre Escutas, Silêncios e Fricções.

1º Artigo: Polícia X Política

2º Artigo: Perguntas sem Respostas.

3º Artigo: Cidadão Militar ou Militar "Cidadão"?.

Para saber mais: Sites e Blogs de Interesse.

Editorial

Entre Escutas, Silêncios e Fricções:


Renato Sérgio de Lima

No pêndulo que caracteriza a atuação pública no campo da segurança, seja nos âmbitos federal, estadual ou municipal e / ou na sua abordagem interpoderes (Executivo - Ministérios Públicos incluídos-, Legislativo e Judiciário), o acalorado e necessário debate sobre “grampos” novamente recoloca a questão sobre a capacidade do Estado brasileiro fazer frente aos desafios de garantir direitos fundamentais e ao mesmo tempo garantir eficiência democrática às instituições policiais.

Zona de confluência de tensões, ruídos ou silêncios normativos agilmente contornados por práticas burocráticas de um Estado patrimonialista, nos termos de Raimundo Faoro, as políticas de segurança pública quase sempre são confundidas com políticas criminais pautadas no direito penal forte e absoluto e / ou com ações do campo logístico e operacional das instituições policiais, muitas vezes ao custo de um baixíssimo estoque de conhecimento e de agregação de competências outras que poderiam transformar o campo (ciências humanas, administração, engenharias, entre outras).

Como resultado, os principais problemas da área ou são vistos como inerentes ao modelo de organização do Sistema de Justiça Criminal Brasileiro, e por isso mesmo afeitos quase que exclusivamente à agenda do direito penal ou processual penal, ou são atribuídos às mazelas e condições de funcionamento e trabalho das polícias brasileiras. Na brecha, “soluções” diferentes surgem e, na inexistência de parâmetros e padrões de trabalho que tenham sido adequadamente planejados, monitorados, executados e avaliados com transparência, valem na exata medida da convicção dos seus gestores e fornecedores.

Disso resulta uma disputa inesgotável por recursos escassos e, no limite, resulta na lei do mais forte, daquele que tem mais poder, seja ele institucional ou informacional, no qual os “grampos” ganham proeminência tácita ou assumida. No limite, as polícias viram vidraça, não sem suas parcelas de responsabilidade, muitas vezes potencializadas por tentações midiáticas (uso indiscriminado de algemas ou das interceptações telefônicas / ambientais ilegais), de um sistema bem mais amplo e complexo.

A eficiência do trabalho policial e das demais instituições de segurança pública deve ser medida pela régua da democracia e não pelo clamor da vingança ou das respostas fáceis da “legislação do pânico”. Recentes apostas, em diferentes níveis, indicam e caracterizam processos de mudança em curso, sobretudo àquelas que tomam os fenômenos do crime, da violência, da desordem e do desrespeito aos direitos humanos como resultantes de múltiplos determinantes de causas e, portanto, compreendem que não cabe apenas ao sistema de justiça criminal a responsabilidade por enfrentá-los.

Condições socioeconômicas e demográficas, fatores de risco, políticas sociais, estratégias de prevenção, programas de valorização e capacitação dos policiais, padronização e parametrização de ações, uso racional de novas tecnologias, entre outras ações mobilizadas estão no rol de iniciativas que, a meu ver, podem fazer a diferença e são, sem dúvida, iniciativas no campo técnico e gerencial que inevitavelmente mudam a chave do debate e nos lembram que somente com a articulação de várias esferas e poderes é que saídas poderão surgir. Porém, estamos falando de jogos de poder e de uma agenda que, não obstante os 20 anos de existência da Constituição de 1988, ainda continua em aberto e sujeita as fricções que paralisam mudanças substantivas...

O uso indiscriminado das interceptações telefônicas (do que adianta “grampear” como recurso de investigação, se os policiais não estiverem devidamente preparados com cursos de análise criminal, embasados legalmente, blindados de cooptações e capazes de discernir entre cumplicidades privadas e indícios de crimes) seria, portanto, sintoma da atualidade da frase do personagem “El Gattopardo”, de Tomasi de Lampedusa, segundo o qual “é preciso que as coisas mudem para que elas continuem as mesmas”.

Paradoxalmente, contra a força desse ceticismo acredito que há que se recolocar a agenda de reformas técnicas e burocráticas das instituições de segurança pública como essencial, mas somente se associada a um corajoso pacto na esfera política, que transforme segurança pública numa pauta de e para todos, dando voz e protagonismo aos diferentes segmentos envolvidos, com destaque para os policiais, mas não na lógica corporativista e sim na lógica republicana, capaz de construir as pontes e traduções. Desse modo, fica a pergunta: há, para além dos discursos, consensos ou marcos mínimos possíveis em torno de padrões democráticos de policiamento?

1º Artigo

Polícia X Política:

Azeite e Água na Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Por Alexandre Carvalhães Rosette

O tema violência e segurança pública é um segmento do campo da ordem humana; os pensadores gregos do século V a.C. já analisavam o fenômeno, questionando sua origem natural.

Até então a ordem advinha dos Deuses, cabendo aos sacerdotes e pitonisas interpretar as leis divinas e transmiti-las ao povo.

Sólon e Clístenes propõem uma nova forma de organização da cidade – Atenas – baseada na isonomia dos cidadãos, ou seja, cada um representando um voto e a Ágora como a assembléia de todos os cidadãos, o lugar onde a ordem era anunciada após serem os fatos sociais analisados pelos eleitos; dessa forma evoluiu a cidade na construção da ordem social, deixando de ser um fenômeno da natureza, que advinha dos Deuses através dos sacerdotes e pitonisas, passando a ser estabelecida pelos próprios homens.

Platão, discípulo de Sócrates, passa a ver com horror essa sociedade onde outros pensadores, além dos filósofos, pudessem vir a estabelecer a ordem na sociedade; tal como os sofistas, através da retórica e da persuasão.

Assim ocorreu quando esta sociedade, a cidade de Atenas, condenou à morte seu mestre Sócrates; logo ele – o mais sábio – que deveria possuir todo o poder e soberania por deter o conhecimento foi sacrificado. Para Platão o controle social – a ordem – e o poder de estabelecer suas regras deveriam estar nas mãos dos reis-filósofos; a ignorância, esta sim, deve ser eliminada e junto com ela o livre pensamento. Para tanto a educação deveria ser estatal e o objetivo era o de evitar que os membros daquela sociedade assimilassem outra cultura. Na sociedade de Platão não havia espaço para os poetas, pois estes contavam a história e transmitiam outras culturas.



Aristóteles vê a sociedade como uma totalidade complexa, um leque de variedades sociais, culturais, éticas, valores que a mantém unida porque seus integrantes – os homens – são seres gregários e essa variedade é conectada pela política.

Tenta mostrar a sociedade pelas suas agregações e a primeira delas é a família, seguindo-se a reunião de famílias até evoluir para o Estado ou Politeia, este entendido como o conjunto de pessoas que vivem sob a mesma ordem, uma mesma lei.

A democracia direta de Atenas evolui até a democracia indireta na atualidade, passando, contudo, por várias etapas que foram interpretadas e pesquisadas por filósofos e pensadores ao longo dos séculos.

Nicolau Maquiavel em “O Príncipe” prega como o poder se sustenta no emprego proporcional da força e da astúcia, embora possa não ter sido seu objetivo prioritário, ensina ao soberano como se preservar no poder e como levar a bom termo uma conspiração. Relata suas experiências de vida política na cidade, onde o “mal” é mais significativo e real do que o “bem”; contrapõe-se à teoria de Aristóteles para quem a vida humana podia ser estruturada como uma hierarquia entre bens e fins.

Foi o primeiro dos mestres da suspeita, retirando a máscara da inocência e trazendo a reflexão do mundo para a visão clara do realismo. Na cidade de Maquiavel o povo é bom, inocente, mas por uma vertente negativa, ou seja, seu desejo é não sofrer a opressão imposta pelos “grandes”, pelos dominadores. É justamente neste ponto que “O Príncipe” ensina ao soberano a dosar o uso da força e da astúcia a fim de perpetuar-se no poder. Não provocar seu inimigo, mas se tiver uma chance real de sobrepujá-lo deve empregar toda sua força e matá-lo.

Maquiavel não acredita que humanos sejam animais políticos; humanos são egoístas e só se aproximam de outros para obter vantagens, seja isoladamente ou em grupo. No mundo de Maquiavel a ética não é fundamental, o que causaria horror a Aristóteles, e o espaço humano é o da predação.

Conforme sua lógica nenhum poder político é estável por natureza e a busca pela estabilidade é uma constante. Contesta os Estados controlados pela Igreja, pois estes governam da mesma forma que os demais – não religiosos, ou seja, utilizam: a força, a guerra, a mentira, a astúcia.

Daí entendermos sua teoria como realista.

A partir do século XVII, quando a doutrina política de Thomas Hobbes surge no “Leviatã” (1651), o governo, através da monarquia absolutista, representa a garantia da vida para os homens. Para tanto parte de duas perguntas para essa conclusão:



Quem somos nós?

Somos seres egoístas, nos afastamos da dor e do sofrimento e buscamos o prazer; o prazer – representado por coisas e pessoas – não pode ser ilimitado, pois só pode ser obtido no convívio comum; logo a vida social é restritiva pois o prazer não é ilimitado.

Que mundo é esse? Onde estamos?

É o mundo da escassez, sempre faltam os objetos do prazer; predominam os conflitos pela busca do prazer, o qual não está disponível para todos; o homem é o lobo do homem.

Para Hobbes, se não houvesse governo, nem leis, cada um poderia valer-se de qualquer meio para obter seu prazer. Muitas mortes violentas ocorreriam cotidianamente por conta disso, portanto reforça sua doutrina de governo como forma de preservação da vida.

Quando uma comunidade consagra um conjunto de normas que venham a limitar os meios tem-se o princípio de ordem e direito , conseqüentemente aumenta-se a preservação da vida.

Justamente o medo da morte violenta, da qual pode ser vítima pela busca do prazer de outro indivíduo ou grupo, leva o homem a estabelecer um governo, e paralelamente uma Polícia, enfim um conjunto de normas sociais restritivas e limitadoras, que lhe preserve a vida.

Assim ergue-se o “Leviatã”, posto que o homem no seu estado de natureza não teria limites para afastar de si dor e sofrimento e buscar sempre o prazer.

No final do século XVII John Locke atenua a teoria de Hobbes e diz que o Estado é nosso “funcionário”. Tem de preservar nossa vida, nossa liberdade e nossos bens (propriedade), se não o fizer devemos derrotá-lo pela revolução. Vale dizer, o poder tem limites.

Suas idéias partem de três princípios: 1) nenhum governo dispõe de informações totais da sociedade;



2) todo governo tem que definir prioridades, pois não pode atender simultaneamente a todos; 3) qualquer definição de prioridade é de arbítrio do governo, portanto, pressupõe uma relação de não prioridades e sofrem, conseqüentemente, questionamentos: “o governo fez isso, mas poderia fazer aquilo”.

A característica do liberalismo político de Locke é a capacidade de restrição do poder político. É diferente, portanto, do liberalismo econômico, que representa um mundo aberto aos negócios.

O liberalismo político adentra o século XX onde se destaca Max Weber e sua teoria da política como vocação humana. O Estado é o agente que detém o monopólio do uso da força física num determinado território. Nas sociedades, segundo sua lógica, existe objetividade, representada por um esforço compartilhado; sua teoria política é descritiva e prescritiva. As idéias do É (descrição) e do DEVER SER (prescrição) não são separadas, mas interdependentes. Só tendo a idéia de como DEVE SER é que posso definir como É – referindo-se a ordem política numa sociedade.



Sinteticamente podemos estabelecer alguns conceitos úteis para uma reflexão:

Ordem – conjunto de normas sociais, conhecidas e aceitas, que regulam uma sociedade.

Previsibilidade – característica inerente ao povo em relação ao poder ao qual está submetido. É um conceito fortemente vinculado ao de ordem.

Violência – a exacerbação do uso da força, inerente ao Estado, sobre o povo.

Löic Wacquant (“As prisões da miséria”, 2001) em sua pesquisa sobre a quebra da democracia pela redução da dimensão social do Estado a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, mostra-nos a convergência entre dois fenômenos :

redução do estado social e do estado econômico: 1) o encolhimento dos regimes de proteção social; 2) retração do estado na esfera econômica, passando tal encargo ao mercado (privatizações com a presença, por exemplo de banqueiros na direção dos Bancos Centrais; aumento do estado penal com o aumento da população carcerária – um pesado fardo financeiro que implica na privatização das prisões estimulando interesses no aumento da massa carcerária; privatização da segurança).



Á guisa de exemplificação inequívoca dessa transformação da ordem social, de um modelo de proteção social e econômica para o outro de mercado, com significativa redução dos investimentos, nos EUA, ano após ano, a rede de proteção social (sistema previdenciário, educação, saúde...) foi privatizada e a contrapartida se deu no aparelhamento da polícia, no sistema de justiça criminal e no sistema carcerário.

Faz uma crítica à política pública de “tolerância zero” dos EUA, donde se podem extrair as seguintes observações: a) custos sociais – política orientada totalmente para a quantificação da incidência criminal; b) a política de “tolerância zero” tenta provar que é possível “enxugar o gelo de forma eficaz”; c) atribui o bom desempenho policial à redução dos índices de criminalidade.

Essa política pública decorre da contribuição decisiva dos think tanks (institutos de pesquisa), provocados a produzir estudos que apresentassem propostas de solução para os problemas dos imigrantes, da população de rua, dos negros, enfim, dos pobres – os excluídos financeiramente - que residem nos grandes centros, particularmente na cidade de New York e na ilha de Manhattan.

O viés dessa doutrina é a teoria da “vidraça quebrada”. O prefeito Rudolph Giuliani atribui a desordem social à proliferação dos pequenos passadores de drogas, aos mendigos, às prostitutas e aos pichadores estabelecendo as áreas da cidade onde esses “inimigos sociais” se concentram, maximizando nesses locais as atividades policiais repressivas. É a penalização da miséria. O Estado Penal, de conformidade com o modelo norte-americano, traduz-se: numa política de criminalização da miséria; e, na imposição do trabalho assalariado precário como obrigação cívica.

A “teoria da vidraça quebrada” (broken windows teorie) formulada em 1982 por James Q. Wilson e George Kelling vulgarizou o dito popular – “quem rouba um ovo, rouba um boi”. E essa pretensa teoria sustenta que é lutando passo a passo contra os pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as grandes patologias criminais.

Outra vertente desta política canhestra é o falacioso discurso da falência do sistema penitenciário pelo controle estatal, apresentando como miraculosa salvação uma proposta de privatização do sistema. O que se verificou no modelo norte-americano na década de 90 foi uma transformação das prisões em “business” com o controle privado das penitenciárias e o emprego de mão-de-obra barata e ativa; enfim uma forma crescente e sistemática de encarceramento dos pobres, de penalização da miséria.

No Brasil a penalização é apregoada com furor apaixonado por segmento significativo da classe dos políticos, vale dizer, daqueles políticos do “lema da lei e da ordem”. Os discursos de “redução do Estado Social e aumento do Estado Penal” são cada vez mais freqüentes em face da crescente onda de violência urbana que se avoluma em todas as unidades da Federação.

Pois, justamente encontrar-se-ão na redução da rede de proteção social as causas da violência, ao invés da propalada “ineficiência policial”, pois o aumento da repressão policial tem-se mostrado, ao contrário, um vetor de insegurança da população e dos próprios policiais, dia após dia tornam-se vítimas mais numerosas desses enfrentamentos armados que se observam nos grandes centros urbanos.

A insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser atenuada, mas sim, via de regra, agravada pela intervenção das forças da ordem. O uso rotineiro da violência letal pela Polícia Militar e o recurso habitual da tortura por parte da Polícia Civil para obtenção de “confissões”, as execuções sumárias, os “desaparecimentos” de pessoas sem qualquer tipo de explicação e a privatização da segurança pelos milicianos geram um clima de terror entre as classes populares, geralmente o seu alvo, banalizando a brutalidade no seio do Estado.

Finalmente o último reduto da política da lei e da ordem sofre toda a sorte de retaliações sociais – o sistema penitenciário:

Já alijado de suas funções penalógicas – dissuasão, neutralização e reinserção – transformaram-se em verdadeiros “depósitos de dejetos sociais”; gerando campo próprio para discursos políticos radicais de “pena de morte” ou de “privatização penitenciária”, como se verificou em Nova Iorque na década de 90.

O lado perverso da política que se manifesta no quadro acima e os representantes do povo – os políticos – enveredam no campo da segurança pública com propostas que permeiam uma área primordialmente técnica – a função policial – através de soluções simplistas de aumento de efetivo policial, aprimoramento de técnicas policiais violentas, “endurecimento” do combate, aumento do poder letal do armamento e aquisição de viaturas policiais, cujo resultado é pífio para a segurança pública.

Conforme se verifica em toda história da evolução humana, desde que o homem tornou-se sedentário e passou a viver em sociedade, a política permeia as relações de dominação, substituindo a lei do mais forte, o império da barbárie. O controle social, instrumentalizado pelos governos através das forças policiais, existe em todas as sociedades, embora tenha sofrido mutações e evoluções ao longo dos séculos.

As forças policiais estatais dos governos democráticos têm suas atribuições e limitações prescritas em leis, respaldadas no Direito Positivo e no sub-ramo do Direito Administrativo sendo, portanto, entidades de proteção coletiva e não mais de defesa de interesses particulares ou de governantes, a exemplo do que ocorria na Idade Média, sob pena de tornarem-se instituições tirânicas.

A independência de suas ações, com base nas leis, devem ser de cunho igualitário e fundamento técnico-científico, não se admitindo interferências políticas nas suas ações operativas.

A prática recorrente de nomeação / exoneração de dirigentes policiais por variáveis políticas, ou de acordo com o humor dos políticos, está na contramão dessa evolução, constituindo um paradoxo nas relações sociais: a vida numa sociedade democrática pressupõe o estabelecimento de representantes para governar e, num Estado Democrático de Direito, polícia para ordenar e manter a paz social; mas como a polícia poderá ordenar e controlar os cidadãos se ela mesma sofrer interferências políticas, ou de políticos, nas suas ações?

Azeite e água não se misturam... há muito tempo já descobriram isso.

2º Artigo

Perguntas sem Respostas

Jacqueline Muniz

Domício Proença Júnior

A política de segurança no Rio de Janeiro parece entender o narcotráfico como um desafio à soberania do Estado. Um desafio cuja única resposta cabível é a de uma forma de guerra — interna, limitada, contra-guerrilheira — que combate o assim chamado “crime organizado” e contesta seus “santuários”.

Esta lógica de intervenção nos parece, em princípio, inadequada ao tratamento das questões de ordem pública. Mas, antes de insistir nesta crítica inicial, entendemos que uma política de segurança merece ser avaliada em função de suas próprias diretrizes. Quais são os critérios de atuação deste modelo para avaliar o seu próprio sucesso ou fracasso?

Na boa teoria da contra-guerrilha, consideram-se dois aspectos principais:

O primeiro é a relevância da dimensão psicossocial que predomina em todos os momentos do conflito. Não é o ato guerrilheiro em si que ameaça a segurança, mas a possibilidade, a perspectiva perene desta ação.

Esta expectativa engendra um sentimento generalizado de insegurança que deve ser considerado uma área de ação tão importante quanto as expectativas e demandas das ruas. Numa democracia, isto se traduz por um esforço incansável de se manter a opinião pública adequadamente esclarecida. Sem esta transparência, se aceita o risco de um agravamento do temor e a conseqüente perda da credibilidade dos órgãos de segurança.

O segundo é a necessidade do uso de índices objetivos de vitória ou derrota, que buscam expressar a materialidade do desenrolar de um conflito. São índices que instruem as avaliações e orientam os planejamentos: o número de inimigos vencidos (mortos, feridos e capturados), o número e tipo das armas perdidas pelo inimigo, a diminuição da atividade-fim que norteia a ação do adversário, o tempo e a qualidade do controle do território.

Esses resultados são, então, contrastados com o dispêndio dos meios empregados: as baixas sofridas, os custos da manutenção das forças e de suas operações, os custos da elevação do nível de controle sobre o território.

A estes custos diretos se somam ainda os indiretos, os recursos perdidos pela persistência do conflito: as perdas de inocentes (baixas colaterais) e o prejuízo às atividades econômicas e sociais — os efeitos nefastos da ampliação do risco e do sentimento de temor, que afastam investimentos, inibem iniciativas e incrementam as desordens e os distúrbios sociais.

Contrariando o que seria a prática de uma guerra contra o crime igualado à guerrilha, a atual política de segurança não tem adotado, de forma consistente, nem a perspectiva psicossocial nem as ferramentas analíticas de desempenho. A ênfase exclusiva no número de mortos, ainda que de parte a parte, constitui exemplo típico de um emprego superficial do acervo de técnicas da contra-guerrilha.

Vale insistir: se a luta contra o “crime organizado” deve ser conduzida em termos bélicos, então é preciso verificar sua consistência com os preceitos bélicos. Isto é: não se pode conduzir o conflito apenas em termos das táticas do enfrentamento, sem a análise estratégica e logística das perspectivas de vitória, sem um enquadramento que reconheça as expectativas da população como campo dominante de intervenção.

É dizer: a variável denominada “saldo de mortos” é insuficiente para realizar uma avaliação dos resultados atingidos.

Esta discrepância entre o método e o que vem sendo apresentado como índice suficiente de sucesso contra o “crime organizado” no Rio de Janeiro parece indicar um de dois cenários: Ou se trata de uma opção deliberada de comunicação social, na qual se omitem os índices de desempenho da opinião pública, ou simplesmente de inconsistência real na aplicação do próprio modelo de intervenção escolhido.

No primeiro caso, sacrifica-se o espaço da transparência em nome, talvez, de uma visão equivocada de sigilo, na qual toda população é percebida como uma massa de “elementos suspeitos” — ou, mesmo, incapaz de entender e colaborar com a estratégia adotada. No segundo caso, o diagnóstico é ainda menos feliz, pois, sem dispor dos índices, pode-se estar atuando às cegas.

Uma avaliação adequada contemplaria os resultados obtidos diante dos custos, à luz das metas. Neste caso, a meta parece ser a de vencer o “crime organizado”. Seguindo a estrutura exposta mais acima, cabe ponderar, aceita a lógica bélica, sobre as seguintes questões:

1) O saldo de mortos reflete um aumento generalizado do nível de atividade de repressão, isto é, espelha um aumento significativo das prisões, apreensões e ganhos de controle territorial sobre o crime?

2) Ou, ao contrário, expressa apenas um aumento da letalidade da ação policial?

3) Como o extermínio não é uma política possível, este incremento de mortes resulta de uma nova ênfase operacional ou de dificuldades de controle no emprego de táticas contra-guerrilheiras no contexto da segurança pública?

4) Houve diminuição da prática criminosa organizada como resultado desta escalada?

5) Houve encarecimento nos preços de drogas e armas como resultado do “custo de risco” da política adotada?

6) Houve recrudescimento de atividades criminais correlatas?

7) Qual foi o efeito desta política sobre as chefias e sobre a tropa do “inimigo”?

8) Houve deserções desde o crime?

9) Desmantelaram-se organizações?

10) Interromperam-se os fluxos do tráfico?

11) Qual é a taxa de eliminação (morte, prisão) do inimigo para cada policial perdido (morto, ferido, incapacitado)?

12) Quais foram as denominadas situações táticas típicas?

13) Como se poderiam minorar as baixas — de ambos os lados — nos enfrentamentos?

14) As perdas sofridas pelas polícias (mortos, feridos, incapacitados) no combate ou em função dele foram mensuradas com o risco e, em especial, com os resultados obtidos?

15) No nível atual de perdas, o fluxo de reposição das polícias e sua coesão são capazes de sustentar a funcionalidade da instituição e desta política no médio e longo prazo?

16) Quais são os prognósticos gerais de vitória em termos de operações e custos (especialmente, mortes)?

17) Há perspectiva de se vencer o crime?

18) Em que termos?

19) Em que prazo?

Sem respostas a estas perguntas e sem os dados para respondê-las, qualquer avaliação torna-se impossível e qualquer prognóstico, demagógico. A credibilidade da política de segurança fica comprometida na ausência de respostas conseqüentes e dos dados básicos.

Na ausência de esclarecimentos deliberados, a população pode percebê-la como um gesto discricionário, que eleva a violência mas não atende às suas demandas por segurança. A situação é ainda mais grave se a atual política abriu mão dos índices de desempenho.

Se for este o caso, cabe indagar sobre como avaliar, planejar e controlar as ações necessárias para uma busca racional de vitória. Sem estes índices, as ações se reduzem a sucessivas atitudes reativas, entremeadas com ações táticas de espetáculo, que carecem de um rumo estratégico.

É assim que se perde.

Artigo publicado no Jornal do Brasil, 07/05/96.

3º Artigo

Cidadão militar ou militar “cidadão”?

Wanderby Braga de Medeiros

Major de Polícia

Como é sabido, não há direito absoluto e mesmo em se tratando da outrora clamada e ora aclamada, alardeada e grafada em cláusula pétrea do texto constitucional “liberdade de expressão”, seu caráter é relativo.

Tal liberdade deve comportar determinadas restrições e mesmo reprimendas sempre que de seu exercício resultar conflito entre o interesse individual de quem dela faz ou busca fazer uso e o interesse da coletividade, o intitulado “bem comum”.

A relativização encontra respaldo ainda na necessidade de valoração quando do confronto de direitos de natureza similar (ou não), mesmo entre interesses distintos de natureza individual.

Por outro lado, creio que a relativização do direito em questão deve buscar respaldo não apenas na legislação infraconstitucional, mas (e prioritária e conjuntamente) no texto da própria Constituição Federal de 1988.

Da leitura do inciso no qual se insere, emerge a primeira restrição expressa, já que seu livre gozo somente tem respaldo se afastado o manto do anonimato, o que parece bastante razoável e coerente.

Se o texto constitucional dispusesse de forma diversa, a imposição de sanções penais comuns e militares (relacionadas, e.g., aos delitos de calúnia, injúria e difamação) e mesmo cíveis decorrentes de eventuais abusos de seu exercício, pareceria originariamente afastada, o que, convenhamos, representaria combustível à verdadeira barbárie em matéria de convivência social.

Retrocedendo um pouco, verificamos que do caput do art 5º emerge a versão da Carta de 1988 do princípio da igualdade, segundo o qual:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...".

Ora, se o princípio da igualdade é fundado na ausência de distinção de qualquer natureza e nos termos dos preceitos que se seguem ao mesmo art 5º, dentre os quais, a liberdade de expressão (vedado o anonimato), parece constitucionalmente claro que não pode haver tratamento individualmente distinto, ainda que fundado em legislação infraconstitucional, se baseado em opção sexual, opção religiosa, opção política e, por que não dizer, opção laboral.

Destarte, ouso acreditar e defender que os dispositivos infraconstitucionais anteriores ao advento da Carta Magna de 1988 que estabelecem limitações ao exercício dos direitos e garantias individuais insculpidos no art 5º da mesma com fundamento em distinções de qualquer natureza entre indivíduos não lograram recepção.

Não se trata de afastar o caráter relativo do direito em comento, nem tampouco a possibilidade de imposição de reprimendas ao seu mau uso, mas apenas de negar a possibilidade de que tal caráter relativo possa ser fruto de dispositivo emanado de distinção, seja ela qual for, entre indivíduos.

Entender de forma diversa representaria negar princípio assegurado pela própria Carta. Seria negar aos indivíduos alvo da distinção ao menos parte das prerrogativas devidas aos cidadãos brasileiros, ainda que sua opção laboral seja a vida castrense.

Assim sendo, não há que se admitir como constitucional qualquer restrição imposta ao direito à liberdade de expressão com fundamento em distinção laboral, ainda que entre civis e militares.

Os direitos e garantias fundamentais são relativos sim, mas a cidadania deve ser plena para todos, sem distinção de qualquer natureza!

Afinal, no Brasil regido pela “Constituição Cidadã” há cidadãos civis e militares ou cidadãos civis e militares "cidadãos"?

Para saber mais: Sites e Blogs de Interesse

Em tempo de eleições conheça melhor o seu candidato.

Não deixe de acessar:

http://www.excelencias.org.br/