segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Movimento Segurança Cidadã – BI nº 05

Ano I – nº. 5, 4 de agosto de 2008

Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.

OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO

Sumário:

Editorial: "Ao Povo do Rio de Janeiro”

1º Artigo: PMERJ S.A.

2º Artigo: A pusilanimidade já foi mais bem educada.

3º Artigo: 190, O Trote Oficial no Rio de Janeiro.

Para saber mais: Sites e blogs de interesse.

Editorial

Ao Povo do Rio de Janeiro:


Cerca de um ano atrás, com a finalidade de resgatar a cidadania, a dignidade pessoal e profissional dos integrantes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, bem como reduzir dificuldades na área de segurança pública mediante propostas de ações governamentais, um grupo de integrantes da Polícia Militar do último posto da Corporação, denominados "Coronéis Barbonos", travejado na experiência profissional adquirida ao longo de mais de trinta anos de serviço, elaborou manifesto denominado "Pro lege vigilanda" (Para a vigilância da lei), de cunho estritamente institucional, contendo as principais e urgentes necessidades da Corporação e de seus Componentes.

O documento discorria sobre doze tópicos, consolidados nos princípios de valorização do servidor público policial militar, profissionalização, racionalização de recursos e fortalecimento institucional, todos exeqüíveis e extremamente essenciais para a implementação de um projeto de segurança pública concreto e viável, tanto que, alçado à análise do Chefe do Executivo Estadual, teve pronto assentimento, por entender que por aquelas doze proposições passava a recuperação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pela polícia administrativa da ordem pública no ordenamento constitucional e infraconstitucional vigentes.

Naquele instante já alertávamos para o fato de que a funcionalidade e operacionalidade dos sistemas policiais, sempre jogadas para um plano secundário, achavam-se agonizantes; que os estertores de uma Corporação subjugada e sem brio se faria ouvir na sociedade, preliminarmente levando às comunidades carentes o terror de uma política de segurança sem os requisitos mínimos de inteligência e alicerçada unicamente no belicismo descabido, posteriormente impondo às demais camadas da sociedade o medo, a desconfiança e o luto pelos muitos filhos sacrificados em razão do despreparo e da pressão funcional e emocional a que são submetidos os profissionais de segurança.

Urgia uma radical mudança de postura na condução da política de segurança pública, pois é fato que a que hoje está em prática, a qual já se arrasta por muitos anos e desgovernos não atende aos anseios da população, tampouco traduz as aspirações da sofrida família policial-militar, ao menos a majoritária parcela de abnegados preocupados em servir e proteger, já que além de nossas reputações maculadas pela desconfiança da população e pelo contínuo achincalhamento promovido pelos meios de comunicação - não sem razão, admita-se - também nos vemos vítimas e reféns do atual estado de barbárie em que vivemos.

Estamos certos de que, ao contrário do que indica a desconstrução da imagem institucional mediante a série de gravosos e lamentáveis fatos envolvendo policiais militares com toda sorte de crimes, ainda não chegamos ao fundo do poço, mas tal não tardará, pois quando o cidadão deixa de ter o Estado como seu protetor e passa a vê-lo como algoz, quando a desconfiança impera, quando os agentes da lei sentem-se sem credibilidade e incapazes de mudar o estado de coisas que os afligem, as conseqüências tendem a revelar um quadro de completo caos social, que somente o desprendimento de um governo inteiramente voltado à coisa pública, avesso a picuinhas e jogadas de bastidores daqueles que querem prolongar o status quo pode reverter.

Quando de nosso manifesto, fomos afastados e defenestrados da Corporação, como se nosso posicionamento fosse contrário ao interesse social e institucional, mas tal injustiça não esmoreceu nossa crença de que é preciso mudar radicalmente alguns conceitos, que as proposições por nós outrora firmadas são essenciais para a retomada do caminho da ordem pública, bem como sabemos que determinadas medidas irão requerer tempo para que logrem seus objetivos, enquanto que outras terão efeito imediato; da mesma forma é certo que algumas exigirão um esforço contínuo do governo, mediante planejamento e previsões orçamentárias, já outras se realizarão mediante simples ato do executivo, entretanto, todas necessitam de uma ação única e imediata, para que não se perca mais tempo.

Esclareça-se que sempre estivemos e estamos à disposição do Estado do Rio de Janeiro e de sua população, colocando nossa larga experiência a seu serviço.

Nosso manifesto, longe de configurar um ato de rebeldia ou de insubordinação, foi um grito de alerta e teve o caráter de rever conceitos defasados e garantir melhor contraprestação de serviços para o povo fluminense, o que é nossa missão.

Não podíamos ser subservientes e estéreis, pois nunca agimos assim ao longo dos nossos mais de trinta anos de carreira policial-militar.

O quadro atual demonstra que não estávamos errados.

HILDEBRANDO Q. ESTEVES FERREIRA - CORONEL DE POLÍCIA

PAULO RICARDO PAÚL - CORONEL DE POLÍCIA

LEONARDO PASSOS MOREIRA - CORONEL DE POLÍCIA

FRANCISCO CARLOS VIVAS - CORONEL DE POLÍCIA

RONALDO ANTONIO DE MENEZES - CORONEL DE POLÍCIA



1º Artigo

PMERJ S.A.

Leonardo Allevato Magalhães

2º Tenente PM RG 54567

Há quinze anos digo que os oficiais da Polícia Militar que pretendessem ingressar em uma universidade deveriam optar por um curso que não o de Direito. Afora aqueles que fazem da Corporação trampolim para outros concursos públicos - e, infelizmente, isso é uma realidade crescente, mormente em virtude dos baixos salários pagos aos policiais militares - oficiais que almejassem atingir os mais altos cargos deveriam se especializar em cursos voltados, principalmente, para a área administrativa.

O título desse artigo fala por si só. Não há mais como deixar nossa Corporação a mercê de decisões políticas que em vez de beneficiarem o consumidor final - a própria população do Estado do Rio de Janeiro - contribuem para o enriquecimento de plataformas políticas em eleições vindouras.

A Polícia Militar É e deve ser administrada como uma grande empresa, cujo produto de "comercialização" é a Segurança Pública.

A Segurança Pública deve ser uma política de Estado e não uma política partidária; destarte, manter-se-á ao longo dos governos, beneficiando única, exclusiva e incondicionalmente a população do Estado do Rio de Janeiro.

Tome-se como exemplo qualquer grande empresa e veremos que a estrutura administrativa é totalmente semelhante e, quiçá, até mesmo mais bem estruturada (ainda que mal organizada), que essas empresas. Falta a PMERJ, além da desvinculação política - não em termos estruturais, mas sim funcionais, um administrador que, com pulso forte e de forma empreendedora e sem se basear simplesmente no empirismo, conduza-nos a uma nova era administrativa calcada em conhecimentos teóricos que, aplicados na prática, nortearão as tomadas de decisões necessárias no dia-a-dia corporativo.

Perfeitos são os manuais que tratam da Administração Militar, todavia, faz-se mister uma atualização e adaptação desses conhecimentos em relação ao atual mundo corporativo privado, uma vez que se trata de um universo de empresas que primam pelo aumento da lucratividade como forma única de se manterem no mercado. Logicamente, a empresa Polícia Militar não aufere lucros pecuniários, porquanto se trata de uma empresa pública, porém há que se considerar o lucro dentro de nossa empresa como sendo o oferecimento de segurança total a nossa população. A partir do momento que a população passa a se sentir insegura estamos falhando em nossa missão primária.

Tal projeto trata apenas de uma profunda mudança de mentalidade a fim de que se possa revigorar e desemperrar as engrenagens que movem nossa Corporação.

Algumas medidas poderiam ser tomadas para que, além da reforma administrativa - não em termos estruturais, mas sim de operacionalização dessa estrutura - houvesse uma mudança da imagem da Corporação junto à população e ao seu próprio público interno, para que haja um resgate da credibilidade que há muito já foi perdida. Eis algumas delas:

  • Adoção de um planejamento estratégico divulgado a todos os níveis da Administração Militar com minuciosa análise dos pontos fortes e fracos e das oportunidades e ameaças ao perfeito funcionamento de cada Organização Policial Militar por si só e de forma conjunta dentro da estrutura corporativa.
  • Missão e visão. Dois conceitos corporativos a serem definidos, divulgados e massificados nos policiais militares de modo que todos unam forças em prol de um único objetivo.
  • Divulgação de uma arrojada campanha de marketing a fim de enaltecer e divulgar o lado "bom" dos serviços prestados à população para que se contraponham e se sobreponham à imagem negativa massificada pelos mais diversos meios de comunicação que "maximizam" as atitudes negativas e que são inerentes a apenas um pequeno número de policiais militares.
  • Melhoria do marketing interno (endomarketing). A exemplo do que acontece no treinamento militar das Forças Armadas em tempos de guerra, o policial militar deve ter apenas uma única coisa na cabeça: sua missão enquanto tal. Não podemos ter o "funcionário" da empresa falando mal da própria empresa e, pasmem, isso acontece em toda a estrutura vertical da Corporação.
  • Treinamento, treinamento, treinamento. Não apenas o treinamento técnico - tiro policial, técnicas de abordagem etc. - mas também o treinamento de outras habilidades necessárias à lida com o público - atendimento, gerenciamento, línguas estrangeiras etc.
  • Após o resgate da credibilidade, associação da marca PMERJ S.A. a outras empresas a fim de formar parcerias funcionais e aumentar a colaboração da sociedade na prevenção e combate aos mais diversos crimes.
  • Total reestruturação do processo seletivo de policiais militares. Estamos contratando mal, a fim de atender a demanda de mais policiais e estamos tendo problema em médio e longo prazo. Os processos de exclusão do policial militar do serviço ativo (demissão, reforma etc.) com tão pouco tempo de serviço oneram absurdamente o erário. Selecione-se mais rigorosamente e isso refletirá diretamente na diminuição dessas exclusões.
  • Valorização dos recursos humanos: o discurso aqui não será em torno do aumento de salários, mas sim em relação à agregação de valores à carreira profissional: melhoria constante das unidades de saúde, acompanhamento psicológico constante, programas de prevenção de doenças que diminuam a vida útil profissional do policial militar, treinamento, dentre outros. Note-se que todos os valores sugeridos dizem respeito ao policial militar enquanto ser humano e não à sua logística de trabalho.
  • Alocação de policiais especializados: policiais militares com cursos de especialização devem, incondicionalmente, ser alocados nas respectivas unidades. Sendo assim, policiais com o curso de Adestramento de Cães devem estar lotados na CIPM Cães, os que possuem o curso de Operações Especiais devem estar lotados no BOPE. Além disso, o aproveitamento de cursos extras deve ser considerado de forma a otimizar as atividades meio e fim.
  • Criação de um centro de pesquisas em Segurança Pública, a fim de estudar os mais diversos aspectos dessa área, desde o modus operandi de criminosos até o comportamento do policial nas mais diversas situações de modo que se possam fornecer subsídios teóricos a futuras ações de segurança pública. Tal centro funcionaria com equipes multidisciplinares de estudo - sociólogos, antropólogos, psicólogos e demais áreas afins - porém, sempre sob a batuta de oficiais policiais militares que são aqueles que possuem o conhecimento técnico da área.

Infinitas seriam as sugestões para a reestruturação funcional do sistema policial militar; não se pode mais ficar administrando o caos, cobrindo certos buracos e descobrindo outros, tal qual um cobertor curto.

Há que se mexer nessa estrutura, de modo a desemperrar as engrenagens que movem essa bicentenária Corporação e fazer valer novamente a autoridade intrínseca em cada homem fardado, não mais pela força e pela coerção, mas pelo resgate da credibilidade daqueles que são os consumidores finais do nosso produto: a população do Estado do Rio de Janeiro.



2º Artigo

A pusilanimidade já foi mais bem educada.

Luiz Eduardo Soares

“O governador dorme o sono dos justos; o secretário descansa em berço esplêndido; o comandante repousa como um cristão; e o soldado, lá na ponta, suja as mãos de sangue. Se der merda, o bagulho estoura no elo mais fraco, é claro. Quem paga o pato é o soldado. Quem vai a juízo é o soldado. Quem freqüenta as listas das entidades internacionais de direitos humanos é o soldado. O governador é ambíguo para descansar em paz; o secretário é sutil para preservar a consciência; o comandante cultiva os eufemismos e opta pelo vacabulário enviesado para proteger a honra e o emprego. Sobra para o soldado (...). É curioso: a ambigüidade só pode ser cultivada nos ambientes solenes do Palácio do Governo, onde a impostura e a violência são adocicadas pela coregografia elegante da política.

“Quando a arena é a favela, os rituais são outros, menos sofisticados. Na praça de guerra não há espaço nem tempo para a solenidade e as ambivalências. O que era doce fica amargo, azeda e cai de podre. A gente, que atua lá na ponta da cadeia de decisões, colhe o fruto podre e faz o que pode para digerir. Por isso, talvez seja mentira dizer que só há ambivalências nos salões da corte. Elas estão por toda a parte. E estão aqui entre nós. E dentro de nós, em mim e em você”.

Quando ouvi no rádio a notícia trágica do assassinato do menino João Roberto Soares, no dia 8 de julho, lembrei-me desse trecho do livro Elite da Tropa (Objetiva: 2006), que escrevi com André Batista e Rodrigo Pimentel. João, de três anos de idade, foi morto por policiais militares simplesmente porque confudiram o carro, onde ele estava com o irmãozinho e a mãe. Foi sem-querer. Havia outro carro que eles teriam metralhado por-querer, mesmo que os suspeitos não resistissem às suas ordens --a mãe o faria, se tivesse tido a oportunidade de fazê-lo, ou seja, sairia do carro com as mãos na nuca e se deitaria no chão, se os policiais tivessem tido a misericórdia de lhe dar essa chance ou apenas tivessem aplicado o manual de instruções.

Além do inominável –tirar a vida de uma criança e arruinar uma família, além de degradar ainda mais a imagem da instituição que deveria fundar sua eficiência, exatamente, na confiança da população-, o que mais há na cena selvagem e nas reações oficiais que a sucederam?

O acontecimento inclassificável revela que os policiais sequer supuseram a hipótese de que poderiam estar matando inocentes. Não se trata, portanto, de agir com ou sem competência técnica. Trata-se, antes de tudo, de sequer duvidar da legitimidade de atirar às cegas para matar. Registre-se, ainda, que os policiais não estavam acuados, não estavam sendo perseguidos e não atiraram para proteger-se, errando o alvo. Nada disso. Eles é que perseguiam suspeitos em fuga.

Claro que seria razoável mencionar a absoluta inépcia técnica, a ausência de treinamento (por mais rudimentar que fosse), a precariedade extrema da formação profissional, a tensão psicológica em que vivem os policiais fluminenses (sem qualquer apoio nessa área), a exaustão física, fruto do acúmulo de jornadas de trabalho sucessivas, na segurança pública e no “bico” (ao qual recorrem para sobreviver, dado o baixíssimo nível salarial). Mesmo assim, faltaria algo à compreensão do episódio: por que não duvidar, por um segundo sequer, da legitimidade do emprego da força letal?

A resposta é uma só: a política de segurança, em vigência, se é que merece esse título, sustenta a necessidade do confronto e a justeza da morte dos “inimigos” do Estado, a qualquer preço, mesmo que seja a vida de inocentes. Casos e casos foram objeto de questionamentos, nos morros, nas favelas, por parte de entidades de direitos humanos. Mas as críticas foram rechaçadas por editorialistas que saudaram a “nova” política de segurança do governo do Rio (curiosamente, nenhum método, nenhuma abordagem do problema é mais antiga, em nosso estado). As autoridades aplaudiram seus policiais e celebraram o suposto triunfo da “nova” política. Esse tipo de orientação se casa, perfeitamente, com a cultura tradicional de nossas corporações policiais, herdada dos tempos sombrios da ditadura. Somadas, a “nova política” e a velha cultura profissional, tem-se a bomba-relógio. Enquanto ela explode nas favelas, os efeitos colaterais são postos na conta do imaginário “fim superior” (como disse o secretário, certa vez: não se fazem omeletes sem quebrarem-se ovos –desde que esses ovos que se partem não sejam os filhos da classe média, porque, como ele mesmo disse, os mesmos eventos têm significados diferentes e repercussões políticas distintas, na zona sul e nas favelas ou periferias).

Ano passado, no estado do RJ, 1330 pessoas foram mortas em ações policiais –o número é oficial e, certamente, subestimado. Quantas dessas mortes foram execuções? Quantos desses casos foram investigados pelas polícias, pelo MP, pela Justiça? O que fizemos, enquanto sociedade, a esse respeito? Nos Estados Unidos, há 20 mil policiais, aproximadamente, e 300 milhões de habitantes. Morrem cerca de 300 pessoas, por ano, vítimas de ações policiais. Todo ano, no Rio, a brutalidade letal das polícias produz mais de mil vítimas. Esse ano, mais uma vez –e assim como em 2007--, o recorde será batido. E quem é a vítima típica da violência policial letal? O jovem pobre e negro. O Rio já avançou o sinal que separa as “casualties do genocídio.

Esse é o ambiente mental e valorativo em que são tomadas decisões sobre uso da arma de fogo por profissionais das instituições que deveriam, segundo a Constituição, proteger a vida. A prioridade de qualquer política consequente de segurança pública teria de ser a defesa da vida.

Por isso, tanto quanto cobrar responsabilidades dos policiais que puxaram o gatilho, matando, dessa vez, uma criança de três anos –depois de tantos de seus colegas terem matado tantas outras crianças e jovens, e antes que voltem a fazê-lo--, deveríamos questionar os editorialistas que ajudaram a montar a bomba e os gestores superiores, que atearam fogo à pólvora.

É profundamente lamentável ouvir o governador Cabral chamar os policiais de “débeis mentais”. A pusilanimidade já foi mais bem educada.


3º Artigo

190, O Trote Oficial no RJ

Major de Polícia

Wanderby Braga de Medeiros


Ao longo dos últimos meses e em meio aos recorrentes reclames de demora no atendimento, a propaganda oficial do governo tem sido enfática em citar problemas causados à população fluminense em razão dos inúmeros trotes direcionados ao sistema 190, no que, a propósito, merece aplausos.

Por outro lado e buscando uma análise mais detida e técnica da questão, salta aos olhos o fato de que a atual "política de segurança pública" parece insistir em negligenciar o fato de que o pior trote ao sistema, com reflexos nefastos ao erário e à população fluminense, continua a ser perpetrado sob seu próprio patrocínio.

Não falo dos parcos salários pagos aos militares de polícia, da ausência de delimitação de carga horária semanal, do não pagamento de horas extraordinárias de trabalho, da exploração do "bico", da proliferação das milícias, dos pífios índices de elucidação de delitos ostentados por delegados de polícia civil, da ocultação de índices estatísticos, do anacronismo de determinadas sanções disciplinares ainda aplicadas, do envolvimento de políticos, delegados e de outros policiais com o crime e a contravenção, da dívida estatal relacionada ao fundo de saúde da PM, nem tampouco do fato de que a gestão das Unidades da Polícia Militar continua a ser custeada com dinheiro destinado à alimentação dos policiais (fatores com inequívocos e também nefastos reflexos à questão ora abordada).

Falo, mais uma vez e não pela última, da incrível e cada vez mais nacionalmente isolada obrigação imposta aos servidores de segurança pública e à população do RJ para que finalizem todas as ocorrências envolvendo mediações de conflitos delituosos, por menores que sejam, nos já abarrotados balcões das ineficazes delegacias de polícia.

Impedidos, contrariamente ao que já ocorre nos estados do RS, PR, SC, SP, GO e AL (dentre outros), de carrear infrações de menor potencial ofensivo diretamente ao poder judiciário, via termo circunstanciado, e mesmo de registrar ocorrências sem flagrância delitiva no local em que se verificam, policiais, vítimas, testemunhas e autores são impingidos a penosos e desnecessários deslocamentos, a sucessivos constrangimentos, a vitimização secundária, a sacrifícios desnecessários ao erário e ao consumo não excepcional de horas para a adoção de feitos excessivamente formais e cartorários, por oposição aos procedimentos simples, céleres e econômicos que deveriam dar lugar aos mesmos.

Tentando traduzir em números o "trote" do governo e utilizando os dados derivados do então Centro de Operações da PM (COPOM), temos que no período compreendido entre janeiro e abril de 2007 houve o seguinte quantitativo mensal de ocorrências atendidas e conduzidas às delegacias de polícia, por policiais militares, na área de atuação do sistema central 190, com o correspondente tempo total gasto, desde a chegada ao local da ocorrência até a "liberação" das partes na delegacia.

MÊS / ANO

TOTAL / MÊS

TEMPO MÉDIO

MÉDIA / DIA

JAN / 2007

794

2:07:10

26

FEV / 2007

734

2:12:36

26

MAR / 2007

768

2:14:19

25

ABR / 2007

769

2:11:56

26

PERÍODO

766

2:11:28

26

LEGENDA

COLUNA 01

MÊS ABRANGIDO PELOS REGISTROS

COLUNA 02

TOTAL DE REGISTROS (COM CONDUÇÃO A DP)

COLUNA 03

TEMPO MÉDIO CONSUMIDO POR ATENDIMENTO

COLUNA 04

MÉDIA DE ATENDIMENTOS DIÁRIOS

Como revelam os números, com média de tempo gasto nas ocorrências com condução às delegacias de polícia girando em torno de 130 min, foi possível à Polícia Militar atender a apenas 26 (vinte e seis) ocorrências de tal natureza por dia em média no período de Jan / Abril de 2007 na área de atuação do COPOM (parte considerável da área metropolitana do Rio de Janeiro).

Com números tão baixos e sucessivos reclames de demora no atendimento, não parece restar dúvida alguma de que boa parte das ocorrências carreadas via 190 foi simplesmente encerrada de forma amadora no próprio local em que se verificou. Se por um lado, tal procedimento pode ter evitado gastos desnecessários ao erário e constrangimentos maiores às partes envolvidas nas ocorrências, por outro, não há como se afastar o vínculo de tal conduta com a frustração das expectativas de usuários dos serviços da polícia em obter respostas eficazes e profissionais às suas demandas e, por conseqüência, com o fomento à sensação de impunidade e, por extensão, à própria violência e à criminalidade.

Todavia, com os dados acima e a partir de projeção da redução do tempo consumido para a resolução das ocorrências atualmente ainda encaminhadas às delegacias de polícia, factível através da adoção de modelo similar ao praticado há anos no RS e em outros estados (em que policiais militares são obrigados a registrar ocorrências sem flagrância delitiva e mesmo com flagrância delitiva quando alusiva às contravenções penais e aos crimes de menor potencial ofensivo, no próprio local em que se dão), é possível projetar também a elevação do potencial de atendimento à população, via sistema 190:

OLUNA 01

COLUNA 02

COLUNA 03

COLUNA 04

COLUNA 05

NULA

132

26

NULO

766

10

118

37

41

1077

20

105

46

76

1345

30

92

53

104

1564

40

79

59

126

1728

50

66

62

139

1827

LEGENDA

COLUNA 01

REDUÇÃO DO TEMPO DE RESOLUÇÃO DE OCORRÊNCIAS (%)

COLUNA 02

TEMPO MÉDIO DE RESOLUÇÃO RESULTANTE (MIN)

COLUNA 03

MÉDIA DIÁRIA DE ATENDIMENTOS (190) RESULTANTE

COLUNA 04

INCREMENTO DE TEMPO DESTINADO AO ATENDIMENTO (%)

COLUNA 05

PROJEÇÃO DE ATENDIMENTO MENSAL À POPULAÇÃO (190)

Por mais impressionante que possa parecer, mesmo as menores reduções no tempo consumido pela PM para a resolução das ocorrências tendem a gerar expressivo acréscimo na disponibilidade de atendimento à população via sistema 190. Em termos totais, mesmo a redução de meros 10% no tempo consumido tende a gerar significativo incremento no número de ocorrências atendidas:

Ora, se a própria gestão da segurança pública do RJ sabe-se lá por qual motivo, cerra os olhos à realidade ora externada (da qual teve ciência oficialmente em meados de 2007, por ocasião de relatório fruto de visita de comitiva presidida pelo próprio subsecretário da pasta ao estado do RS, onde Polícia Militar e Polícia Civil lavram, no local em que o poder público é acionado, o chamado "Boletim de Ocorrência")...

Para saber mais (Sites e Blogs):

http://conjunturacriminal.blogspot.com/ - O leitor poderá ler a informação mais confiável que existe - a que não existe não será "criada" - sobre acontecimentos vinculados ao crime e à violência. Onde houver debate, os argumentos de diferentes origens serão apresentados.

http://www.prevencaodaviolencia-ni.org.br/site/index.php - A Secretaria de Valorização da Vida e Prevenção da Violência do Município de Nova Iguaçu, RJ, foi criada na última semana de 2006. Sua missão é criar um ambiente que promova a cultura da paz e reduza a violência, particularmente a violência criminal letal, articulando diversas iniciativas preventivas.

http://pensandoseguranca.blogspot.com/ - Reflexões e notícias relacionadas à proteção das pessoas, do patrimônio e dos direitos sociais indisponíveis, focalizadas em uma visão sistêmica, participativa e co-responsável (Estado, mercado e sociedade).