Ano I – nº. 3, 12 de junho de 2008
Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.
OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO
EDITORIAL
ESCÂNDALO NACIONAL! VERGONHA INTERNACIONAL!
Discurso da Deputada Cidinha Campos:
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
o que eu tenho a dizer não é tão grande que eu não pudesse usar um aparte para fazê-lo, mas eu achei que seria tirar o tempo do debate que está se ouvindo aqui, porque tem sido muito bonito.
E eu quero cumprimentar o Deputado Paulo Ramo - não é sempre que eu faço isso, não é, deputado? - pelo seu discurso desta tribuna.
Falou-se muito aqui, Senhor Presidente, sobre estado de direito. Acho que do estado de direito já se falou demais. Nós temos que falar do Estado direito. O Estado direito é aquele em que o deputado trabalha, vive com o seu salário, não rouba de ninguém, não tira dinheiro da escola de criança. Esse é o Estado direito!
Não vou fazer nenhuma análise jurídica. Eu vejo com espanto que na hora de defender um deputado, vão procurar na Constituição o amparo para livrá-lo de uma punição. Mas esse deputado que foi Chefe da Polícia deste Estado do Rio, não respeitou nem o Código Penal, nem o Código Civil. Nada! Na hora de se defender, todos buscam a legalidade ideal: a Constituição Federal que ninguém respeita.
Esta Casa, é claro, tem competência para tirá-lo do xadrez, mas não tem legitimidade. Sabe por que, Senhor Presidente?
Porque 40% desta Casa estão envolvidos com a marginalidade: 40% de uma casa política envolvida com bolsa-escola, máfia dos combustíveis, assassinato, grupo de extermínio, extorsão, milícia e tráfico.
Que legitimidade tem esta Casa para dizer que ele tem que sair da prisão? Estão votando em causa própria! “É ele hoje, sou eu amanhã” – como já disseram aqui uma vez.
Então, qualquer que seja esse resultado e eu já sei qual será como sabia que ele ia ser preso – e V. Exa. é testemunha que eu sabia que ele ia ser preso - como sei que outros serão. Serão presos e nós nos vamos enfraquecendo a cada passo.
As argolas que querem tirar do pé do Álvaro Lins já estão chegando aos nossos pés, porque nós estamos implantando no Poder Legislativo do Estado do Rio de Janeiro o poder da bandidagem, da falcatrua, da falta de respeito à população e ao direito do Estado, ao Estado direito.
Senhor Presidente, eu trouxe documentos aqui. Tem gravação. Eu tenho a degravação completa da investigação da Poeira no Asfalto. O chefe do gabinete do Dr. Álvaro Lins tratando da falcatrua que ia fazer naquele direito especial do imposto do ICMS que o Garotinho ia botar.
Ele não está sendo julgado por isso, mas também será e nós vamos perder o bonde da história, porque ele é o principal envolvido na máfia dos combustíveis. Mas como é que vai votar esta Casa? Dos oito presos, um é funcionário daqui. A mulher do Sr. Álvaro Lins, a ex, é funcionária da Casa, e os outros, os demais, todos foram homenageados pela Casa, todos os bandidos receberam moção desta Casa, alguns receberam três ou quatro. Mas que moral tem um Deputado que dá moção para esses bandidos? E eu não estou nem falando do Álvaro Lins que recebeu a Medalha Tiradentes e outras coisas. Estou falando dos “inhos” todos. Bandidos pés-de-chinelo que receberam moção, medalha de diversos Deputados, a maioria de Deputados também envolvidos em outras denúncias de corrupção.
Eu acho, Senhor Presidente que é um discurso perdido. Quando a gente se opõe ao sistema, porque isso virou um sistema, chega a ser perda de tempo. Mas o que estou fazendo aqui se eu não fico pelo menos indignada com o que está acontecendo? Então, eu sei que ele vai sair por aquela porta, vai usar os instrumentos que tem, como disse bem o Senhor Deputado Paulo Ramos, como ex-Secretário de Segurança Pública, para desvirtuar a investigação. E não é só ele, são dois ex-Secretários, ele e o Ricardo Hallack, que é outro bandido de primeira classe muito homenageado nesta Casa.
Pode sair, Senhor Deputado Álvaro Lins! A Casa é sua!
A qualificação necessária para lavratura do Termo Circunstanciado
Marcello Martinez Hipólito (*)
Com a entrada em vigor da Lei 9.099/95 algumas Polícias Militares, dentre elas as do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo, mais recentemente Alagoas, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Goiás, começaram a lavrar o Termo Circunstanciado no local dos fatos e pelo policial militar que atendesse ao chamado da população, seja ele Oficial, Sargento, Cabo ou Soldado, isto com fundamento no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Não foram poucas as vozes que se insurgiram contra a nova dinâmica de trabalho adotada pelos citados Estados em suas Polícias Militares, que impuseram ao seu trabalho agilidade, economia, eficiência e eficácia na prestação jurisdicional ante as infrações penais de menos potencial ofensivo.
Dentre os vários argumentos suscitados, em sua maioria por Delegados de Polícia, vou me restringir a apenas um neste pequeno ensaio, que é o argumento de que a lavratura do Termo Circunstanciado, que implica na qualificação jurídica de um fato abstratamente configurado como crime ou contravenção, é tarefa que exige a presença de um profissional com formação jurídica, qual seja, o Delegado de Polícia.
Necessário antes esclarecer que se desconhece polícia no mundo que para o exercício da polícia judiciária seja necessário o bacharelado em Direito, talvez por isso é que a Constituição Federal não exija o curso de direito para Delegados de Polícia, tal como o fazem para os Magistrados, art. 93, I, e membros do Ministério Público, art. 129, § 3º.
Também não há no ordenamento jurídico nacional lei que discipline quais são os chamados atos de polícia judiciária ou mesmo quando deve se encerrar a atuação da polícia ostensiva, devendo esta encaminhar os fatos e as pessoas para aquela, ou mesmo se é necessário tal procedimento.
Para alguns juristas na competência constitucional das Polícias Militares para a preservação da ordem pública, art. 144, § 5º, da CF, estariam incluídos todos os procedimentos necessários para a restauração da ordem pública no caso de sua quebra, tais como a prisão em flagrante e sua lavratura, representação para a prisão preventiva, pedido de busca e apreensão, interceptação telefônica, etc., tal como ocorre em todas as polícias no mundo, no denominado 'ciclo completo de polícia'.
Ocorre que para a prisão de alguém que esteja em flagrante delito o art. 301 do Código de Processual Penal faculta a 'qualquer do povo' a realização do ato, sem que para isso exija o bacharelado em direito. A disposição de facultar a qualquer do povo a execução da prisão em flagrante não tem sido questionada pela doutrina ou jurisprudência.
Para exercer a faculdade do art. 301 do CPP o 'qualquer do povo' deverá fazer um cotejo preliminar entre a conduta verificada e a norma abstratamente prevista nas Leis Penais, sem a qual sua ação será abusiva e passível de sanção penal, seja ele agente público ou não.
Já essa mesma capacidade de avaliação é exigida do policial militar que é chamado para atender a uma infração penal de menor potencial ofensivo e lavra o Termo Circunstanciado, após o compromisso do autor do fato de comparecer ao Juizado Especial Criminal, porém, mais qualificada, em razão de curso de formação que fez quando do ingresso na instituição.
Quando o policial militar lavra o Termo Circunstanciado, contra o autor dos fatos após o compromisso por ele assumido, deixa ele de exercer a faculdade de “qualquer do povo” e sua obrigação de prisão em flagrante prevista no art. 301 do CPP, por expressa disposição do parágrafo único do art. 69 da Lei 9.099/95.
Caso o autor do fato se recuse a assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal aí deverá entrar em cena uma autoridade policial mais qualificada, que na prática do direito brasileiro, via de regra, é o Delegado de Polícia, para a formalização da prisão em flagrante de crimes comuns.
Não se admitindo que o policial militar lavre o Termo Circunstanciado no local dos fatos o agente fatalmente será muitas vezes algemado e conduzido coercitivamente até um Delegado de Polícia, naquelas poucas que dispõe de um de plantão, e a verificação posterior do erro quanto à existência da infração penal impõe ao autor do fato um constrangimento de difícil reparação.
Do contrário, caso um policial militar erre na qualificação jurídica do fato tido por infração penal ao elaborar o Termo Circunstanciado – qualificação esta não exigida na Lei – será ele prontamente corrigido pelo Promotor de Justiça quando do recebimento da notícia-crime ou mesmo pelo Magistrado por ocasião da audiência preliminar.
As duas situações aventadas denotam significativas diferenças de atuação policial, sendo muito mais humana, menos constrangedora, mais adequada aos princípios da Lei que impede a prisão em flagrante daquele que sequer será condenado a uma pena privativa de liberdade pelo fato praticado, por sua menor potencialidade.
Aos argumentos até então dissertados soma-se o fato de o artigo 69 utilizar-se do verbo 'lavrar', ação esta afeta ao escrivão, a teor do art. 305 do CPP, que atribui ao escrivão a lavratura do auto de prisão em flagrante.
Assim sendo, qualquer policial militar, ou mesmo policial civil ou federal, pode lavrar o Termo Circunstanciado, pois a lei não qualifica o procedimento como ato de polícia judiciária, não se exige formação jurídica para sua consecução e o ordenamento jurídico conduz a essa hermenêutica diante dos princípios norteadores da Lei 9.099/95, combinado com a própria legislação adjetiva penal.
E-mail: marcellomh@hotmail.com
Raízes da Insegurança Pública no Rio de Janeiro.
Tenente - Coronel de Polícia
Está em curso no Rio de Janeiro um processo de privatização da segurança pública. Trata-se, na verdade, do financiamento privado das atividades de segurança pública.
Ao longo das últimas décadas, a ausência de uma política inteligente e sólida de segurança pública tem provocado inúmeras distorções legais e morais que, via de regra, produz efeitos nocivos para a gestão do serviço policial.
As omissões e permissividades protagonizadas pelos sucessivos governos fluminenses, especificamente no que tange à temática da segurança pública, geraram nos últimos anos o incremento do processo de privatização desse bem público que é a segurança, em tese, considerado indivisível.
Não obstante, essa particular dinâmica de financiamento privado da segurança pública, vem produzindo efeitos perversos contrários às demandas e expectativas da sociedade, frutos do processo de acomodação e de apropriação particular do serviço público por parte de autoridades políticas do governo (de todos os poderes públicos constituídos), dos dirigentes das instituições policiais e dos servidores públicos que as compõem (hoje, muitos comandantes, oficiais e praças da polícia militar, delegados e inspetores da polícia civil, todos no serviço ativo, administram serviços de segurança privada).
O serviço policial, por sua natureza e característica intrínseca, requer do profissional de segurança pública dedicação integral ao serviço, não podendo exercer nenhuma outra atividade, salvo aquelas expressamente autorizadas por força de Lei.
Por mais paradoxal que possa parecer essa norma vem sendo violada e descumprida sistematicamente, inclusive com a cumplicidade, complacência e irresponsabilidade do Poder Público que muita das vezes gera artífices da facilidade para viabilizar ao policial uma folga mais dilatada para que o mesmo possa através de outras atividades laborais complementar sua renda.
Aparentemente inofensivo e motivado até por razões nobres (decorrentes do processo de alienação imposto aos policiais pelo Poder Público em relação às condições salariais e de trabalho), o famigerado “bico” representa dos maiores problemas a serem enfrentados no campo da segurança pública.
Nesse contexto, podemos afirmar que atualmente o medo e a insegurança pública, sejam eles tratados de forma objetiva ou subjetiva, constitui valor de mercado e moeda de troca para ampliação do empreendimento na área da segurança privada e, em alguns casos, para a conformação de nefastos e inconfessáveis projetos de poder político. Em outras palavras, grosso modo: O Policial depende do medo e da insegurança pública da população para sobreviver.
É triste dizer, mas é justamente essa dualidade de valores e disputas veladas entre o bem indivisível (a segurança pública) e o bem divisível (a segurança privada), que faz com que o policial, conscientemente ou não, sujeito ou objeto da sua história, da história de sucesso ou de fracasso de sua instituição, aposte no medo e na insegurança pública como fator de garantia para expansão dos negócios privados.
Por outro lado, o aumento da carga extraordinária do trabalho policial, mediante o exercício ilegal e clandestino das atividades de segurança privada, longe de favorecer ao policial uma melhor qualidade de vida, cria os seguintes problemas para a segurança pública: 1) estresse, cansaço, fadiga física e mental, com grave comprometimento das funções fisiológicas e, conseqüentemente, sérias repercussões nas condições objetivas de segurança para a preservação da integridade física do policial, de seu companheiro de trabalho ou de qualquer outra pessoa; 2) ausência de mecanismos institucionais e de ferramentas gerenciais de controle de tais atividades clandestinas; 3) ausência de cobertura oficial do sistema de previdência; 4) subversão da hierarquia e da disciplina; 5) construção de uma cultura de privilégios na alocação de recursos destinados ao policiamento ostensivo; 6) venda de proteção em troca da contratação de serviços de segurança privada; 7) formação de “milícias”.
Nesse contexto, em face da possibilidade concreta e generalizada do exercício paralelo de atividades inerentes à segurança privada, sobrepõe-se a essa discussão uma outra, porém não menos importante, que questiona qual deve ser o posicionamento político do governo e o comportamento da corporação à luz da ética e da deontologia policial.
Nesse sentido, cabe o seguinte questionamento: No caso do policial da ativa, o exercício de atividades adstritas ao campo da segurança privada é eticamente compatível com o exercício de atividades no campo da segurança pública?
Um bom exemplo que pode servir de referência analógica em razão desse importante questionamento pode ser obtido através de uma análise detida das normas legais contidas na Lei nº. 8.906. de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB) que prevê no inciso V do Ar. 28 que o exercício da advocacia é incompatível com as atividades exercidas por ocupantes de cargos ou funções vinculadas direta ou indiretamente à atividade policial de qualquer natureza.
Portanto, seria muito importante, conveniente e oportuno que o Poder Público considerasse o exercício da segurança pública incompatível com a atividade da segurança privada. É necessário, pois, romper com essa lógica perversa de privatização, sustentada no âmbito de um projeto de poder não declarado, para que tenhamos uma política pública de segurança objetiva e consistente.