terça-feira, 31 de março de 2009

Movimento Segurança Cidadã – Ano II / BI nº 1


Rio de Janeiro, 31 de março de 2009

Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.
OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO


Sumário:

Artigos:

1º Artigo: Órfãos do Estado.

2º Artigo: A libertação do coronel (Confira também o polêmico texto que resultou na prisão administrativa do Cel. Menezes – “A PERVERSIDADE DO “BICO” E A PRIVATIZAÇÃO DA SEGURANÇA”).

3º Artigo: A unificação das polícias.

Entrevistas:

1ª Entrevista: “O PMDB é corrupto”, por Jarbas Vasconcelos.

2ª Entrevista: “A segurança pública foi transformada em mercadoria”, por Jacqueline Muniz


1º Artigo

Órfãos do Estado

Marcelo Freixo


Acusado de ser o principal matador da milícia Liga da Justiça, indiciado pela CPI das Milícias, o ex-policial Ricardo Teixeira, o Batman, expôs em “entrevista” na Internet seus negócios e seu poderio bélico, sua fácil fuga da prisão de segurança máxima Bangu 8, a corrupção e os erros da polícia. Para ele, “milícias são melhores que o tráfico”. É absurda essa comparação entre milícia e tráfico – não há mal menor. Ambos concorrem em um estado leiloado a interesses privados e criminosos. Esse tipo de manifestação causa enorme sensação de impotência. Exige reflexão e ação imediata, não pela autoria, mas pelo que simboliza: a face sombria do Rio de Janeiro. Não se pode esquecer que as milícias lucram à sombra do poder público.

A CPI da Assembléia diagnosticou três eixos de funcionamento das milícias: controle de território exercido por agentes da segurança pública; extorsão direta dos moradores pelo controle de serviços; formação de braços políticos. Ligações clandestinas de TV a cabo, vendas de gás, taxas de segurança – “eu o protejo de mim mesmo” –, transporte alternativo, grilagem de terra, exploração imobiliária. A CPI indiciou 225 pessoas, indicou 171 regiões dominadas e apresentou 58 propostas de ação. Enfrentar as milícias é o desafio. O relatório, o primeiro passo.

Um terço da população do Rio vive nas favelas. Urge repactuar essa sociedade e redefinir nosso conceito de cidade. Nossa república nunca foi res publicae, com laços mais escravocratas do que democráticos. Ao manter a ordem da exclusão e da desigualdade fez com que nosso poder público abrisse mão da soberania sobre vasto território. O Rio perdeu legitimidade e governança sobre a vida de significativa parcela da população. O grande debate que governo e sociedade civil precisam travar diz respeito à relação entre território – governabilidade – Estado – soberania. Governar é proteger.

Milícias são embriões de máfias, uma ameaça ao Estado democrático de direito. Usam armas das corporações, distintivos e carteiras profissionais, falam em nome da ordem e elegem deputados e vereadores. As ações precisam ser concretas, imediatas e específicas. Não resolve o governador repetir contra as milícias velhas e desgastadas fórmulas de enfrentamento. Resultados eficazes não serão possíveis sem uma ação articulada entre os diversos setores do poder público e da sociedade em legítima e verdadeira liga da justiça. Nossa segurança precisa ser calcada na cultura de direitos para todos em todos os territórios do Rio de Janeiro.

Marcelo Freixo é deputado estadual (PSOL-RJ) e presidiu a CPI das Milícias na Assembléia Legislativa do Rio.

Este artigo foi publicado no jornal O Globo em 28 de março de 2009.



2º Artigo

A libertação do coronel
Emir Larangeira
”Vede os pequenos tiranos / que mandam mais que o rei / Onde a fonte de ouro corre / apodrece a flor da lei” (Cecília Meireles).
Em toda a minha carreira, jamais soube de oficial-general preso em circunstância semelhante à do coronel PM Ronaldo Antonio Menezes, que hoje, dia 14 de março de 2009, é libertado. Porque, ressalvadas as proporções, o coronel PM é para nós o que é o oficial-general para as Forças Armadas. Justifica-se a comparação em função do grau de responsabilidade inerente à máxima patente.
Desde os idos de 1982, – por iniciativa do coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, mais chefe que líder para dar vencimento ao delicado momento de transição política (a chamada “abertura”), – o Curso Superior de Polícia (CSP) e o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) tomaram novos rumos: abriram-se ao estudo do mundo externo e permitiram que as universidades tomassem o espírito da geração de tenentes-coronéis, majores e capitães. A idéia do coronel Cerqueira, também psicólogo, era a de tentar mudar atitudes para gradativamente gerar novos comportamentos. Ele, porém, sabia e dizia que a resistência às mudanças seria invencível. Estava com razão...
Na verdade, o governante da época pretendia uma PM submissa, descartável e inoperante, um dos pratos da balança que nos está a pesar há anos, sendo evidente que o outro acolhe uma PM submissa, descartável e atuante. Pior que ambos é a ambiguidade do contrapeso desequilibrando aleatoriamente a balança... E assim oscilam os pratos: omissão ou ação ou um caótico meio-termo, dependendo de como o governante decide abusar da gente. Em todos os casos, porém, somos submissos e descartáveis. No primeiro (omissão), o descarte é pela exclusão disciplinar do PM; no segundo (ação) é pela morte dele, o que não significa eliminar a hipótese do descarte, presente em ambos. Por fim, a aleatória tentativa do meio-termo, que abraça as outras duas, confunde-as e nos mergulha na escuridão abissal. A vergonha maior, todavia, está na submissão dissimulada no que apelidam de “hierarquia” e “disciplina”, que, sem embargo, lembram os terríveis tempos do “Terror”...
Nos modernizados concursos do CSP e do CAO foram inseridas matérias estranhas ao militarismo, produzindo-se uma contradição: oficiais antigos e bitolados, alguns até incultos, passaram a examinar provas de uma nova geração que, por iniciativa própria, conheciam desde antes os bancos universitários. Daí é que o inculto examinava o culto, estupenda inversão de valores dissimulada em ombros agaloados. “Sabia mais” o de maior patente, mesmo que não passasse de asno. Ah, tempos idos e vividos, e vencidos...
Sim, o tempo venceu muitas resistências internas, e os referidos cursos evoluíram sobremodo. Hoje se integram ao ambiente universitário, onde se aprende a questionar a corporação com vistas a melhorar o desempenho dela em prol da sociedade; e se aprende a avaliar com seriedade as críticas externas, tornando-as insumos a serem processados com o fim da obtenção de ótimos resultados. Nada mais que isto o coronel Menezes pretendeu, ou seja, polemizou com maestria, modo, aliás, de se iniciar uma pesquisa científica: a “polêmica” é, ao lado da “vivência” e da “reflexão”, uma das fontes mais comuns de assuntos para pesquisa, como nos ensina João Álvaro Ruiz (vide Metodologia Científica – Ed. Atlas, São Paulo, 1985, p. 60), ensinamento, aliás, disseminado na corporação a partir dos supracitados cursos.
De 1982 para cá, a corporação se vem tornando um sistema aberto e os questionamentos emergem sem cessar. Os ares da liberdade substituíram o pedantismo intelectualóide interno, este que se poderia resumir na frase de Balzac: “A vida militar exige poucas idéias. ”Ah, os ares da liberdade!... Que bom se fosse assim!... Não! Não!... A mudança cultural no âmbito da PMERJ funcionou como antibiótico insuficiente para evitar a proliferação da bactéria denominada tacanhice, e muitas bactérias conseguiram se manter, na forma cística, debaixo dos tapetes ou nalgum cantinho secreto... E ainda sobrevivem em entidades sustentadas pela corporação, consagrando o abuso ao direito constitucional do servidor público de não se associar nem permanecer associado. E a corporação vai seguindo a trilha cômoda do “Ó tempos, ó costumes!”, ou então, como dizia Cícero (De Officiis, I, 28, 97): “Odeiem-me, contanto que me temam”. Desde que o movimento dos “Coronéis Barbonos” e dos “40 da Evaristo” foi sufocado, – creio que o foi porque faltou ao grupo abrir-se antes para acolher o público interno e aumentar a capacidade de negociar, – a PMERJ apenas ganha tempo cumprindo ordens e enterrando seus mortos. Depois de conquistar a legitimidade e se tornar secretaria de estado, a corporação regrediu ao inglório segundo escalão. Isto, no fundo, representou uma categórica derrota para a nova geração, em especial para aquela que permitiu o retrocesso com o fim de lhe garantir o poder interno.
Naquele momento, faltou união e força entre os coronéis, e os que venceram a corrida pelo comando o fizeram segundo os “princípios” descritos pelo mestre Machado de Assis em seu conto “O Medalhão”. O resultado foi a desunião, cujo ápice vê-se agora: a inusitada prisão do coronel Ronaldo Antonio Menezes, dando-nos a impressão de que todos os coronéis “se prenderam” juntos com ele na circunflexão aos dirigentes políticos que outra coisa não visam a não ser a manutenção do poder à custa do sacrifício diário do PM.
Mas, para que não se diga que sou inflexível em minha crítica, ouso afirmar que os governantes estaduais vêm oscilando entre três situações da alegórica balança (um prato ou outro ou nenhum) por não haver uma solução definitiva, esta que passa pela necessidade de mudanças na segurança pública a partir de uma conjuntura federal (a Carta Magna engessou o atual sistema).
Portanto, nada mais a fazer que prover os meios materiais e humanos para funcionar o sistema de segurança pública (exigência da ação), ou não prover meio algum nem exigir nada (a tentativa do meio-termo), ou não prover nada e exigir a omissão. Enfim, três situações que permitem ao leitor escolher quais governantes nelas se inserem, pela ordem: Brizola, Moreira, Brizola, Marcelo, Garotinho, Benedita, Rosinha e Sérgio. Até se poderia conceber outras situações que não vislumbrei, não pretendo ser dono da verdade nem o único cidadão-eleitor PM, condição que me permite avaliar com espírito crítico se votei ou não votei bem em qualquer político.
Não faço esta reflexão como crítica isolada a quem quer que seja. Mas entendo a prisão do coronel com tal gravidade que transcende ao fato em si; vejo-a como falta de vontade dos seus pares em agir e reagir à altura dos nossos antepassados (oficiais e praças) que gravaram em ouro inimitáveis heroismos. Basta citar Tiradentes. E, ao citá-lo, sinto no meu peito uma angústia profunda, pois, como os demais integrantes da PMERJ, o que mais almejo é me orgulhar dos meus superiores hierárquicos é me orgulhar dos novos coronéis a vencerem os grilhões do passado e a projetarem ao futuro uma vida melhor para a imensa família PM. Mas a minha esperança de cidadania plena está reduzida ao aprisionamento de um de seus insignes idealizadores: o coronel PM Ronaldo Antonio Menezes. Ora bem, que fazer além de um recado derradeiro?... Para os que me lêem, confesso o meu espanto! Para o coronel Menezes, minha respeitosa e orgulhosa saudação: a destreinada continência de um velho PM brotada do fundo do coração, e não do punho tacanho que sustenta a minha mão direita, mas não comanda o meu espírito.
Confira o polêmico texto que resultou na prisão administrativa do Cel. Menezes.

A PERVERSIDADE DO “BICO” E A PRIVATIZAÇÃO DA SEGURANÇACoronel de PolíciaRonaldo Antonio de Menezes

As falácias costumam permear a vida pública. Infelizmente, nestas terras tupiniquins, nossos governantes, em sua grande maioria, criaram o hábito de usar discursos cujos conteúdos têm por objetivo mascarar uma deficiência e oferecer, instantaneamente, uma satisfação à população, mesmo que seja um paliativo, ou mesmo um placebo, pois a resposta correta nem sempre é fácil e exige, invariavelmente, esforços sérios e contínuos, que somente pode ser despendido por administrações austeras, compromissadas com a causa pública e avessa aos projetos e interesses pessoais.
Veicula-se mais um concurso para ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, como sempre é feito quando fatos perturbadores ou números indicam a falência da segurança pública no nosso Estado.
Pode-se até dizer que esse quadro foi herdado, contudo, ao observarmos com bastante cuidado, veremos que a maneira de conduzir a pasta é a mesma, tanto nessa quanto em outras administrações.
Política de Segurança Pública não pode se sustentar apenas em aumento de efetivo, aquisição de viaturas, armamento e equipamento, já que a realidade vem demonstrando que simplesmente “botar o bloco na rua” não vem contribuindo para a redução da criminalidade ou o aumento dos delitos solucionados.
Por sua vez, a melhoria do policiamento ostensivo, atribuição da Polícia Militar, decerto não passa pela admissão sem critério, normalmente produzida, pois se fosse esse o caso, ao invés da promoção do inchaço da máquina pública, seria observado o retorno das centenas de policiais militares cedidos aos mais diversos órgãos públicos.
Dados disponibilizados pela Própria Polícia Militar dão conta que cerca de 2.300 (dois mil e trezentos) policiais – militares estão fora das ruas, à disposição, por exemplo, da Secretaria de Governo, de Assistência Social, de Agricultura, de Ciência e Tecnologia, de Habitação, de Meio Ambiente e de Transporte, também circulam pelos gabinetes de Tribunais, do Ministério Público e de muitas Prefeituras, assim como zelam pela segurança dos presídios, fazendo o papel que deveria ser desempenhado por agentes penitenciários.
Então, cabe aqui perguntar: Por que um profissional preparado para preservar a ordem pública e executar a polícia ostensiva está destacado no DETRAN? No DETRO? Na Secretaria de Agricultura? Nas diversas Prefeituras? Em alguns casos explica-se, pois é uma mão de obra barata e auxilia no aumento de arrecadação. Mas a que preço?
O homem retirado das ruas, além de contribuir para a deficiência do policiamento, sobrecarrega aqueles que permaneceram na Instituição, ainda a oferecer sua vida em prol da população fluminense, ao mesmo tempo, tira deles as condições de garantir um serviço satisfatório ao povo, decorrendo daí, talvez, sua remuneração muito abaixo das expectativas e a segunda pior em nível nacional.
A Ordem Pública que é essencial à sociedade envolve altos custos financeiros, derivados dos gastos com pessoal, equipamento e instalações, procedem então à necessidade de ser observado um emprego coerente e criterioso dos recursos públicos, priorizando as ações e operações policiais, não atividades acessórias ou sem vínculo com as atividades de segurança pública.
A falta de investimento na profissionalização do Policial tem uma ação perversa em desfavor do agente de segurança pública e da sociedade em geral, pois, ao sentir-se desvalorizado, seja financeira, institucional ou moralmente, e descobrir que, executando atividades paralelas, obterá melhor remuneração, o homem perde o vínculo com o público e prioriza o privado.
Por anos a fio ignoramos o que acontecia nos guetos e nas comunidades carentes, a simples percepção desses segmentos incomodava a vista e afligia a alma; para evitar essa realidade a classe mais abastada da sociedade refugiou-se em condomínios cercados por altos muros, providos de cercas elétricas e câmeras de segurança; para certificar-se que não teriam a santa paz de seus lares ameaçada, contrataram pessoas para controlar o acesso às dependências condominiais e afastarem pessoas indesejadas; pensaram eles então que seria interessante que esses homens trabalhassem armados e, em caso de necessidade, tivessem um bom entrosamento com as forças policiais, portanto, nada melhor que contratarem policiais para ali atuarem nas horas de folga, pois se serviriam do Estado e custavam quase nada.
Isso foi bom para ambos os lados, as pessoas tinham seu rico patrimônio protegido e os agentes da lei garantiam um reforço financeiro em seus orçamentos. Logo a classe média e os comerciantes perceberam que também podiam melhorar suas condições de segurança e contrataram vigilantes para circularem pelas ruas, nada mais eram que policiais e bombeiros, com as indefectíveis camisas pretas com a inscrição “apoio” às costas, a passarem as horas de sua folga em pé, sob uma marquise a respirar o dióxido de carbono expelido pelos veículos que passam incessantemente a sua frente.
A partir de então, mais um ator desse processo viu-se satisfeito, pois, como os agentes possuíam duas fontes de pagamento, a administração pública entendeu que não era mais necessário pensar em uma remuneração condigna ou condições de trabalho, bastava fechar os olhos e institucionalizar oficiosamente o “bico”.
O filão mostrou-se muito mais generoso do que se podia supor e isso atraiu os olhares de Oficiais e demais Autoridades Policiais, foram sendo montadas as firmas de segurança patrimonial, cujos escritórios funcionavam no interior dos aquartelamentos e delegacias e a mão de obra utilizada era abundante e com disponibilidade imediata. Boates, bares, bingos, comércios e congêneres se viram muito mais interessados em contratar uma segurança feita por policiais, que podiam agir ou se omitir como força pública quando necessário.
O quadro parecia que estava pronto, o “bico” tornou-se a atividade principal e o serviço público virou uma atividade complementar, cujo principal atrativo era conferir o direito à identidade e arma de fogo. O patrão deixou de ser a população e passou a ser o “Dono da Segurança”, o interesse deixou de ser a coisa pública e passou a ser o privado.
O policial passou a trabalhar completamente extenuado, físico e emocionalmente, uma vez que a jornada dupla consumia-lhe as forças; este homem, armado e com a incumbência de proteger a sociedade, tornou-se uma ameaça em potencial ao partir para as ruas, insatisfeito com o salário baixo e o descaso com que é tratado, portanto, propenso a praticas arbitrárias e acidentes que podem vitimar tanto a si quanto àqueles que devia proteger.
Eis que os menos favorecidos, imprensados entre a necessidade e a violência que geralmente impera nos locais onde residem, passam a receber segurança de grupos armados, coordenados (supostamente) por policiais, que afastam o tráfico de entorpecentes, inibem a pratica de roubos e furtos e tornam as ruas mais tranqüilas, entretanto, tudo tem um preço, e logo o transporte irregular de passageiros e a exploração de sinais clandestinos de TV fechada passa a ser controlado por esses grupos; em seguida, os cidadãos são compelidos a contribuir pela segurança prestada e pessoas da comunidade são recrutadas e armadas. Formaram-se as milícias.
Toda essa prestação de serviço que substitui o papel estatal seja no atendimento ao topo ou à base da pirâmide social, deixa bem clara a privatização do sistema de segurança pública e uma perigosa inversão de valores; ao passo que o Estado declina de sua competência para utilizar o poder de polícia em prol da população e entrega essa tarefa a grupos paramilitares, permite instalação de um governo paralelo, com regras próprias e invariavelmente totalitárias, que tende a crescer à proporção da omissão governamental e da carência social.
No final, quando esses grupos estiverem enraizados em nosso contexto social e percebermos que deles não nos favorecemos, muito pelo contrário, que na verdade somos reféns de sua atuação e estamos aqui para servi-los com nossa “contribuição” obrigatória; que nossos protetores são também nossos algozes; que somos aldeões prontos a ceder a primeira noite aos Senhores Feudais, que nossos direitos começam e terminam segundo o interesse de nossos defensores e suas conveniências, talvez aí, somente nesse instante, ouviremos do dirigente público, movido pelo mais profundo senso de dever, se pronunciar e afirmar que está chocado com essa situação e que, apesar de não ser fruto de sua administração, encetará todas as medidas necessárias para devolver o Rio de Janeiro ao povo fluminense e novamente democratizar a segurança pública; que para tal conta com seus aliados, os policiais, os quais, apesar de mal assistidos por anos a fio, saberão resistir às vicissitudes e compreender que o caos decorre de governos anteriores e que, tão logo a situação esteja equilibrada, terão suas mui justas reivindicações observadas com todo o carinho.Será que já não ouvimos essa ladainha antes? Dá-me um nariz de palhaço, por favor!





3º Artigo

A Unificação das Polícias

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA
Antes de adentrar mais especificamente o tema algumas considerações são necessárias no tocante à segurança pública em nosso País, principalmente frente às desigualdades econômicas e sociais nas quais estamos mergulhados.
Entendemos que o sistema penal deve ser concebido como última solução para a problemática da violência, pois não é, nunca foi e jamais será solução possível para a segurança pública de um povo.
Esse quadro sócio-econômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos, como por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são dirigidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? E o sistema penitenciário é administrado para quem? E, por fim, a segurança pública é, efetivamente, apenas um caso de polícia?
Constatamos que ao longo dos anos a ineficiência desse sistema na tutela da segurança pública se mostrou de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito.
Acreditamos, portanto, que a miséria econômica em que vivemos é, sem dúvida, a responsável pelo índice de violência existente hoje em nossa sociedade (incrementado ainda mais pela propaganda) Este fato se mostra mais evidente (e mais chocante) quando constatamos o número impressionante de crianças e adolescentes infratores que já convivem, desde cedo e lado a lado, com um sistema de vida diferenciado de qualquer parâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependência de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absoluto desprezo pela vida humana (inclusive pela própria), no ódio e na revolta.
Não concebemos a idéia de que alguém, voluntária e conscientemente, deseje para si ou para os seus uma vida de crimes, afora, evidentemente, os casos patológicos.Assim, não é possível discutir segurança pública e atividade policial sem que enfrentemos com coragem e preparo as questões acima colocadas, mesmo porque este problema, definitivamente não é uma mera questão policial.
De toda forma, é induvidoso que em um Estado Democrático de Direito há determinadas funções que devem ser exercidas primordialmente pelo Poder Público. Seria inimaginável que a segurança pública estivesse entregue à iniciativa privada; se for certo que ao particular deverá caber o controle de determinadas tarefas na sociedade, não é menos acertado que outras tantas atividades devem ficar sob a tutela oficial.
A tarefa de manutenção da segurança pública diz respeito ao Poder Público que a cumpre com o que arrecada da própria sociedade. Cabe ao Estado absorver os conflitos individuais, inevitáveis no convívio em sociedade, dirimindo-os e garantindo aos cidadãos a segurança imprescindível para o equilíbrio social.
Pergunta-se, então? O modelo policial hoje existente é o ideal ou necessitamos de uma reformulação?
As atribuições de nossa Polícia estão definidas no texto constitucional, pelo qual à Polícia Civil incumbe a função de polícia judiciária e investigação criminal e à Polícia Militar cabe, de forma ostensiva, a preservação da ordem pública; esta é, basicamente, a forma como são distribuídas as funções policiais em nosso País, no que diz respeito aos Estados.
Porém, desde a promulgação da Constituição várias propostas têm sido articuladas no sentido da mudança dessa estrutura, visando, basicamente, a acabar com esta divisão hoje existente nas polícias estaduais.
Como exemplos cito a Proposta de Emenda à Constituição n. º 613/1998. Por esta proposta, todos os servidores do sistema de segurança pública, federal e estadual, seriam servidores civis, regidos por estatuto próprio; nos Estados haveria uma só Polícia Estadual responsável desde a apuração de infrações penais até a preservação e restauração da ordem pública, estruturada em, no mínimo, dois Departamentos: o de Polícia Judiciária e de Investigação e o de Polícia Ostensiva.
Ainda por esta Proposta os Estados, mediante convênio, poderiam formar Conselhos Regionais de Segurança Pública que teriam como meta definir formas de integração entre as respectivas Polícias Estaduais.
O Governo de São Paulo também enviou proposta de emenda à Constituição que, dentre outras coisas, propõe a absorção da parte mais significativa da Polícia Militar pela Polícia Civil; por sua vez, a Polícia Civil passaria a ter também a função preventiva uniformizada.
Esta proposta, no entanto, mantém a Polícia Militar, diminuindo, porém, os seus efetivos e as suas tarefas, assegurando para a PM a polícia de choque, a polícia rodoviária e de trânsito, a polícia florestal e de mananciais, assessorias militares, segurança escolar e dos presídios e atividades de bombeiros.
Há uma terceira Proposta, a de n. º 514/97, de iniciativa do Poder Executivo, através do Ministério da Justiça, onde na respectiva Exposição de Motivos lê-se textualmente que o atual modelo traçado pela Constituição Federal se mostra inadequado para garantir a nossa segurança pública.
Partindo dessa constatação, a referida Proposta permite que os Estados criem seus órgãos de segurança na forma que considerarem adequada, assegurando-se ampla autonomia aos Estados, inclusive a repartição da competência com os Municípios, através da ampliação das atribuições das guardas municipais, já previstas na Carta Magna.
Por esta Proposta, as corporações militares ficariam a cargo do Estado-Membro, que analisaria da conveniência ou não de sua manutenção. No entanto, acaso preservadas as corporações militares, elas estariam destinadas, primordialmente, à manutenção da ordem pública e da segurança interna, além de outras funções estabelecidas em lei estadual.
Percebe-se que o próprio Ministério da Justiça entende ser necessária uma mudança no atual cenário policial brasileiro, também acenando com a unificação das polícias estaduais, militar e civil.
Na própria Polícia Militar há quadros favoráveis à unificação.
Sem querer esgotar o assunto, estamos com aqueles que entendem salutar a criação de uma única polícia no âmbito estadual, com um caráter eminentemente civil, principalmente porque as funções executadas pela polícia têm, primordialmente, caráter civil; caráter militar, por exemplo, tem o combate à guerra, ao terrorismo, à ação de grupos armados contra o Estado Democrático, etc., onde o policial deve fazer-se temido pelo inimigo, o que não deve ocorrer no trato com os civis.
Ademais, o regulamento militar, aprendido e obedecido pelo policial, termina sendo aplicado também na relação com os civis, na atividade de policiamento das ruas, acabando por considerar o civil um seu subordinado, quando a relação deve ser exatamente o oposto.
As funções militares devem ser exercidas pelas Forças Armadas e as funções policiais por integrantes de corporações civis, pouco importando esteja parte da Polícia uniformizada ou não, mesmo porque, como diz Bismael Moraes, “policial uniformizado não significa policial militarizado” [2].
Evidentemente que para a tarefa de policiamento ostensivo é necessário que o policial seja visto e imediatamente identificado por todos, através de um uniforme, mas sem a necessidade de uma formação militar que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito.
Para Bismael Moraes, por exemplo, “sendo a sociedade brasileira composta de cidadãos civis, e não sendo os Estados da federação classificados como quartéis ou zonas militares, só outros interesses – que não são coletivos ou públicos – poderiam impor essa estrutura absurda, cara e prejudicial à segurança pública: militar, para atuar como polícia e tratar com civis! Isso é progresso, ou são resquícios de alguns sistemas pouco recomendáveis?” [3].
Aliás, esta divisão ocorreu, há muitos anos, em França, onde havia dois grandes ramos: a Polícia Preventiva (em regra, ostensiva e uniformizada, prevenindo os fatos) e a Polícia Judiciária (que agia, de regra, após o fato acontecido). Esta divisão, no entanto, hoje está superada na grande parte do mundo, especialmente nas democracias.
No Brasil, com o golpe militar de 64, surgiu a idéia de se criar uma força militar auxiliar às Forças Armadas com a finalidade de se combater os opositores do regime militar. Assim, em São Paulo, fundiram-se a Guarda Civil e a Força Pública, dando origem a Polícia Militar, fato que ocorreu nos outros Estados da Federação.
Naquela época, as Polícias Militares estavam subordinadas diretamente ao Exército e obedientes aos preceitos da ideologia da segurança nacional, tão ao gosto do regime ditatorial. Tanto isso é verdade que boa parte dos comandos das Polícias Militares passou a ser exercido por oficiais superiores do Exército; a Polícia Militar passou a atuar como força auxiliar no combate às organizações políticas de esquerda, como passeatas, greves, comícios, protestos, etc. Ocorre que finda esta tarefa, passou a PM, então, a combater o crime convencional, sem haver, no entanto, uma mudança profunda na sua estrutura e nas práticas de atuação.
De qualquer forma, não se pode admitir duas polícias no mesmo Estado da Federação, regidas ambas por regras próprias e inteiramente diferenciadas, havendo uma duplicidade de orçamento, de patrimônio, meios de transporte, de pessoal burocrático, cada uma sob um comando e subordinadas, na prática, a autoridades diversas.
A unificação da Polícia não significa, em absoluto, a perda da hierarquia e da disciplina existentes na PM, até porque todo o funcionalismo público está sujeito a tais regras; ser um servidor civil nunca foi sinônimo de indisciplina ou de falta de hierarquia, pois todos estão submetidos a regras estatutárias que devem ser cumpridas sob pena de punição disciplinar e até de exoneração do serviço público.
Como disse anteriormente, na própria Polícia Militar, principalmente entre alguns oficiais, há opinião nesse sentido, como por exemplo, os Coronéis da PM/BA, Edson Martim Barbosa e Expedito Manoel Barbosa de Souza que afirmaram:
“Algumas atitudes operacionais das Polícias Civil e Militar prejudicam a realização de um trabalho sinérgico, como por exemplo: o corporativismo; o personalismo; a inexistência de áreas comuns; hierarquia e disciplina diferenciadas, dentre outras”.
(...) “A continuidade, por força legal, da duplicidade de polícia – Civil e Militar – no Brasil, promove situações esdrúxulas ao deixar de lado o que necessita a comunidade da polícia, passando a ter contornos de disputa por espaço entre tais organizações, no que denominamos competição na atividade operacional, particularmente na Bahia”.[4]
Um outro aspecto que não podemos esquecer é que a militarização da Polícia é prejudicial para seus próprios integrantes, pois como se sabe o militar não possui alguns direitos garantidos aos cidadãos, pois está sujeito a uma estrutura que permite, por exemplo, a prisão disciplinar executada verbalmente, tendo seus direitos restringidos pela própria CF/88: arts. 5º, LXI e 142 § 2º.
A própria Polícia Civil também necessita melhorar estruturalmente: a capacitação do policial civil deve ser incrementada, o seu salário deve ser digno, a sua formação deve ser científica e especializada.
Em relatório divulgado no dia 15 de setembro de 2008 o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aponta que as autoridades brasileiras deveriam adotar uma política de tolerância zero contra execuções policiais e trabalhar para acabar com a separação entre as polícias civis e militares. O texto foi escrito por Philip Alston, relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais. Ele esteve no Brasil em novembro do ano de 2007 para examinar denúncias de execuções extrajudiciais nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e em Brasília. Apontando que as "execuções extrajudiciais estão desenfreadas em algumas partes do Brasil", Alston recomenda reformas nas polícias civis, militares, nas corregedorias, no Ministério Público e na administração carcerária dos Estados brasileiros. "O escopo das reformas necessárias é assustador, mas a reforma é possível e necessária", escreve Alston no relatório. Fonte: bbcbrasil.com, acessado dia 16/09/2008.
Por tudo que foi dito, concluímos que cuidar da segurança pública em nosso País é uma tarefa árdua e espinhosa; a violência, hoje, é parte integrante de nosso cotidiano, fazendo com que todos nós, de certa forma, diariamente com ela convivamos.
Devemos crer que a solução mais indicada para tais problemas passa inevitavelmente pela necessidade de vislumbrarmos com inteligência e isenção que os conflitos sociais geradores da criminalidade não podem ser reduzidos a uma mera questão policial, devendo, ao contrário, ser encarados como problemas essencialmente políticos e, sob este aspecto, devem ser procuradas as soluções.
A mudança na estrutura policial também se faz necessária, nos moldes do que acima foi dito.
A criação de conselhos estaduais de Segurança Pública, se bem concebidos e compostos também por integrantes da sociedade civil, seriam, com certeza, mais um elemento de modernização da polícia, traçando diretrizes sólidas de operacionalização, além de corrigir eventuais erros de percurso naturais de todo processo de mudança.
As guardas municipais devem ser efetivamente implantadas, ampliando-se, porém, as suas atribuições constitucionais, a fim de que possam exercer outras funções, como auxiliar o policiamento de trânsito, a defesa civil, etc.
Pensamos, por fim, que a Polícia não deve ser vista como propriedade de ninguém, de nenhum governante, de nenhum Estado, deve ser observada como mais uma instituição, dentro da democracia, a serviço exclusivamente dos interesses da população, como já disse Hélio Bicudo:
“A nova Polícia será democrática, voltada para os reais interesses da população no tocante à segurança. Então, esse povo tão sofrido poderá trabalhar e ter lazer, ir à escola, reunir-se e participar politicamente do processo de seu aperfeiçoamento. Essa é a Polícia que todos queremos”.[5]
Esta nossa posição, sem sombra de dúvidas, sofre forte contestação; de toda maneira, valhemo-nos da lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, segundo a qual “autores sofrem o peso da falta de respeito pela diferença (o novo é a maior ameaça às verdades consolidadas e produz resistência, não raro invencível), mas têm o direito de produzir um Direito Processual Penal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (...)”.[6]
1. Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais” – Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.2. A Polícia à luz do Direito, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 131.3. Idem.4. Polícia Estadual e o “Complexo do Zorro”: a competição na atividade operacional. [1]5. O Brasil cruel e sem maquiagem, São Paulo: Editora Moderna, 1994, p. 42.6. O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175. junho / 2007, p. 11.
Fonte: http://celprpaul.blogspot.com/


ENTREVISTAS

1ª ENTREVISTA: Entrevista com o Senador Jarbas Vasconcelos,

"O PMDB é corrupto"


Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso.

A idéia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação.

Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem.

Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões.

Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".


O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?

É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.

Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado?

Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?

Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.

Para que o PMDB quer cargos?

Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?

De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.

Por que o senhor continua no PMDB?

Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.
Lula ajudou a fortalecer o PMDB.
É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma?
Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.

O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso?

Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado.

O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.

Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.
O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes?Há um benefício imediato e uma conseqüência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu freqüento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.
A oposição está acuada pela popularidade de Lula?
Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.
Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?
Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.
Por que há essa banalização dos escândalos?
O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.
É possível mudar essa situação?
É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.
Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?
A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.
O senhor parece estar completamente desiludido com a política.
Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.
Transcrito da VEJA de 18/2/2009 - edição 2100
2ª ENTREVISTA: Jacqueline Muniz (extraída na íntegra).
“A segurança pública foi transformada em mercadoria”
A antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz é professora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), coordenadora do Grupo de Estudos em Justiça Criminal e Segurança Pública (PMD-UCAM), membro do Grupo de Estudos Estratégicos (GEE – COPPE/UFRJ) e sócia fundadora da Rede Latino-americana de Policiais e Sociedade Civil.
Em entrevista ao boletim Busca Avançada, Jacqueline Muniz explica a origem das milícias no Rio de Janeiro e a forma de atuação desses grupos no estado.
Como o termo milícia aparece no vocabulário carioca?
O termo milícia não aparece como um conceito, ele aparece como uma definição para indicar um certo tipo particular de ação de força, um certo tipo de grupo armado. Esta é a minha impressão. O uso da expressão milícia quer indicar dois tipos de coisas: a primeira é que se trata de uma suposta liga de autodefesa comunitária, a segunda é a de que o grupo seria composto por agentes do Estado, o seu diferencial.A idéia de milícia viria para distinguir de outros grupos armados que atuam no Rio de Janeiro. Sejam as organizações policiais propriamente ditas, autorizadas ao policiamento público estatal, seja o policiamento ilegal realizado pelas firmas clandestinas de segurança, seja o controle territorial exercido por bandos armados em algumas áreas da cidade.A milícia se apresenta como uma grife que quer marcar uma diferença, a busca de alguma legitimidade em relação a outros grupos ilegais que exploram o lucrativo “negócio da segurança” e que disputam o controle territorial e a governabilidade do Rio de Janeiro. É muito mais uma espécie, uma variante da autonomização perversa de meios de força, um tipo de “palavra propaganda”, de “palavra performance”, do que propriamente um conceito em termos rigorosos.
Como as milícias se constituíram e se expandiram pelo Rio de Janeiro?
Elas têm origens as mais diferenciadas e vão cumprir propósitos distintos ao longo da história do Rio de Janeiro. Esse tipo de fenômeno não é recente, é cíclico, tende a se manifestar sempre quando se está diante de estruturas estatais frágeis, ou de estruturas de governo também débeis. Ou seja, quando se tem o mandato público do policiamento exposto, vulnerável tanto a grupos de pressão quanto ao aparelhamento político partidário.Nesse caso, tem-se a “mercadização” do mandato público de policiamento, ou seja, apropriações particularistas, privadas, da função pública do policiamento por grupos de poder articulados com agentes do estado, os policiais. A dinâmica das milícias não é recente, ela apenas se manifesta quando se tem uma estrutura frágil na segurança pública exposta as praticas políticas de mandonismo e clientelismo.
E como essa questão se enraizou no estado?
Esse problema não se enraíza da maneira como se enraizou no Rio de Janeiro sem uma blindagem política. Ele não nasce necessariamente com o apoio de políticos, mas para sobreviver depende de representação política. Há pouca diferença entre a grilagem - capangas que controlam território no interior – e as práticas milicianas do Rio de Janeiro.São todos bandos armados a venderem proteção e produzirem opressão com o propósito de garantir os monopólios na venda de seus serviços ilegais. E para isso usam armas. Se eles pudessem resolver as suas disputas comerciais na justiça, se as atividades que eles fazem fossem lícitas, e as mercadorias que eles vendem fossem lícitas, não precisaria da violência. Estaríamos no mundo da administração pacífica e consentida dos conflitos.Quanto mais precário e instável o exercício de poder, maior será o emprego de violência armada para sustentar esses monopólios ou quase-monopólios de produção e distribuição de mercadorias e serviços ilegais.
E como se pode entender a distribuição espacial irregular das milícias no Rio de Janeiro?
É evidente que esses grupos armados necessitam fazer o controle territorial e exercer alguma forma de policiamento, de maneira a garantir a exploração dos serviços ilegais. Do meu ponto de vista, o que está em jogo se chama “negócios da proteção”, cuja sustentação vem dos políticos e os maiores beneficiários são os, políticos.A segurança pública é implodida enquanto um bem coletivo é transformado em mercadoria. Isso no Rio de Janeiro já vem de longa data, vem acompanhando um processo de clientelização diversificada dos recursos públicos de segurança.Nesse cenário, o que está em jogo é uma disputa comercial pelos negócios da proteção (gatonet, banda larga ilegal, distribuição de bujão de gás, corretagem informal de imóveis, taxa de vida e tudo mais que resulta e seja útil para a fabricação de ameaças).O controle territorial é para poder garantir monopólios na extração, na extorsão de cifras vultosas de impostos informais que alimentam o caixa das campanhas eleitorais, um tributo para seguir funcionando e alimentando trajetórias políticas que ambicionam “governar por meio do crime”.A diferença que se dá é em relação ao custo e ao benefício. Todos os grupos armados começam sempre com um discurso libertador, com um discurso moralizante e moralista de libertar aquela comunidade do mal, do crime, etc. E logo em seguida eles se tornam os tiranos de ocasião a sujeitarem as garantias e liberdades fundamentais dos moradores das áreas dominadas.O libertador de antes é o tirano de amanhã que vai começar a restringir liberdades, direitos e garantias e vai cobrar taxas pela proteção contra ameaças por ele mesmo criada.Porque se paga por ela para não tê-la nunca, a proteção é provisória, precária, limitada, desigual e excludente. Esta é a engenharia deste negocio. Assim, o tempo todo o morador está exposto às ameaças constantes e infinitas que são o fundamento da lógica de proteção. A proteção depende de fabricar ameaças para operar. É uma disputa comercial que está em jogo entre grupos criminosos, seja o tráfico, sejam os grupos da milícia.
Como explicar a concentração das milícias na Zona Oeste e na Baixada Fluminense e inexistente na Zona Sul?
O custo de partida para produzir controle territorial em certas áreas é altíssimo. Em áreas de periferia, em áreas como favelas com precária infra-estrutura social e urbana, os custos político, logístico e financeiro de partida para manter pessoas armadas para o controle territorial é baixo. No asfalto, o território é mais aberto e mais exposto ao controle da coletividade. O custo logístico para produzir domínio territorial armado é bem mais elevado. Por isso tende a ser mais velado e o custo político e financeiro é mais elevado. Os controles, o exercício do monopólio, ou a disputa comercial pelas taxas, pela extorsão, vão se dar de maneira menos ostensiva em termos de armamento, em termos de controle territorial armado nas áreas mais urbanizadas, com melhor infra-estrutura social e urbana.É ilusório imaginar que em algumas áreas geograficamente abertas se conseguiria ter controle armado, seja do tráfico ou de qualquer bando armado. É uma fantasia imaginar que em Copacabana, por exemplo, você teria a mesma presença armada. Não é necessário. A corrupção e a propina substituem a presença do armamento. Sai mais barato. É mais viável logisticamente, atende melhor aos negócios da proteção.
Qual é a diferença entre a milícia e o tráfico?
Tem-se muita diferença do ponto de vista qualitativo, porém em termos essenciais, se tratam de
bandos armados a disputar os negócios da proteção. E por isso produzem opressão, têm como fundamento a fabricação de ameaças e chantagens para sustentar os negócios ilegais da proteção.Essa é uma economia de franquias ocupacionais que disputam e articulam as várias mercadorias a serem vendidas, não apenas as drogas. Você tem ali a cobrança de taxa em cima do moto-taxi, tantos outros transportes alternativos, a exploração da banda larga ilegal, da TV a cabo ilegal, da luz ilegal, da água clandestina.A disputa (da milícia com o tráfico) é comercial. Por isso os inimigos de hoje, podem se tornar os sócios de amanha. Só que não há um fórum, uma junta comercial para administrar esses conflitos. Então eles são resolvidos à bala, são resolvidos no confronto. Portanto, os contratos são vulneráveis, como tudo da lógica da proteção, o que faz com que esses senhores da guerra, tenham poder provisório. E não dá para garantir a opressão em tempo contínuo.
O que faz com que os grupos envolvidos no tráfico de drogas em favela se desterritorializem frente à ação das milícias e não frente às ações das agências do Estado?
Produz-se o controle territorial armado porque tem determinado propósito. Para explorar a droga nessa área, por exemplo, será necessário o controle armado. Porque não tem como assegurar por meios lícitos o fluxo, distribuição da cocaína, das mercadorias ilegais que estão sendo negociadas.Então, em relação às milícias e aos grupos armados, eles operam com a mesma lógica: são grupos armados a produzir governabilidade paralela, portanto, estão em confronto, em conflito ou em acordo uns com os outros. Estão negociando, desenhando acordos, barganhas, guerras, quando conveniente, e que atendem a interesses político-comerciais. Portanto, não há uma desterritorialização, há ajustes no território para melhor definir monopólios no exercício da venda desses serviços entre os Senhores da proteção.Tem sido assim e não será diferente. Dá para reconhecer aqui no Brasil ou em qualquer lugar que este fenômeno se manifeste. O que está em jogo são disputas comerciais. O controle territorial está a serviço de uma exigência desse mercado da proteção. A disputa entre milícia e tráfico não é a disputa do bem contra o mal. Não é a disputa do crime contra o anticrime. Ambas as práticas são criminosas e estão enraizadas no mesmo princípio: de serem bandos armados a disputarem os negócios lucrativos da proteção com chancela de atores políticos. E esses negócios lucrativos da proteção não se fazem sem algum tipo de costa-quente nascida no interior da máquina do Estado. Seja através de representantes político, seja através de funcionários.
A milícia pode ser considerada um tipo de organização paramilitar? Qual é a
relação que ela mantém com o Estado?
Sim. Certamente elas podem ser entendidas como estruturas paramilitares que começam aparelhando determinado sentimento popular de insegurança, de temor. Ou seja, esse é o paradoxo da proteção, você maximiza o medo tornando as pessoas cada vez mais inseguras, prometendo a elas uma segurança, quando na verdade você entrega proteção. Ora, isso não se faz sem a tolerância do Estado. Ou porque você tem Estados frágil, ou porque você tem mecanismos frágeis de controle do mandato de polícia, do exercício público do policiamento.Quando você tem organizações policiais, organizações de força, exército e polícias vulneráveis ao “mandonismo” político, a clientelização, ou a apropriação privatista, você tem a venda deliberada do mandato policial. Que, em termos jurídicos, a gente chama de corrupção. Isso necessita em boa medida da tolerância do Estado.Você só pode imaginar ou conceber governos paralelos com algum nível de tolerância, com a cumplicidade ou a parceria de segmentos do Estado. Seja na máquina do Legislativo, seja na máquina do Executivo, seja na máquina do Judiciário. Seja porque você tem segmentos policiais que toleram, suportam, apóiam as dinâmicas milicianas. Afinal, não há porque limitar a ambição de lucros políticos e econômicos: quem antes era só empregado do crime, torna-se sócio e, mesmo, o único patrão.Há que ter alguma medida de tolerância, de aceitação por parte dos segmentos, ou dos setores, ou de atores do governo. Até porque, por se tratar de uma economia ilegal, ela é uma fonte poderosa de financiamento de campanha. E ninguém melhor que o agente da lei para conduzir a arrecadação de dinheiro, cobrar pedágios, extrair impostos informais.É por isso que se cristalizou. Eu diria que no Rio de Janeiro nos últimos oito anos, uma certa tolerância a discursos positivos vindos da máquina do Estado dizendo que é melhor milícia do que o tráfico de drogas. Ora, não há diferença de natureza, ambos exercem tirania, ambos exploram a mesma dinâmica.É o Estado abandonando a segurança pública, uma espécie de privatização perversa da segurança pública. Transformando o bem segurança público em arranjos particularistas de proteção. Quando o poder de polícia vai se convertendo em mercadoria política e objeto de negociação, é porque você tem as estruturas vulneráveis de comando e controle. O que levanta a questão central: será que o governo legitimamente eleito tem se mostrado capaz de produzir controle e governabilidade sobre os recursos públicos de segurança?Se o monopólio legítimo da força física pertence ao Estado, como as milícias podem ter essa expressão no Rio de Janeiro?Vamos esclarecer uma coisa: o Estado em tempo algum e em sociedade alguma tem o monopólio da prática do policiamento público. O policiamento público é antes realizado pela própria sociedade, por nós os cidadãos. Somos nós, através dos mecanismos de regulação e de controle social, que exercemos o primeiro nível do policiamento.O policiamento feito pelo Estado é o policiamento público delegado à administração estatal que possui um conjunto, um número significativo de poderes restritivos de liberdade porque tem o consentimento da sociedade, da comunidade política, da coletividade.Quanto menor a confiança nos instrumentos de força, ou das organizações de força as quais nós delegamos o mandato do policiamento público, mais nós vamos resolver os nossos problemas por meios próprios. E esses meios próprios incluem as milícias.Quanto menor o consentimento social à ação de polícia, mais grupos, bandos armados ou grupos de aventureiros vão aparecer para ocupar este lugar. Só que aí deixa de ser a sustentação da lei e da ordem democráticas da sociedade para ser a lei e a ordem do tirano de ocasião, seja ele miliciano, seja ele o gângster ou o traficante. E o próprio Estado pode ser um estimulador disso quando se converte em um Estado protetor.Milícia e tráfico são compreendidos como grupos de moralidades mutuamente excludentes...O discurso deles é o discurso do bem contra o mal. Cada um vai acionar o seu discurso para buscar algum nível de legitimidade para o seu próprio trabalho, até porque o poder que eles exercem é um poder instável, sem legitimidade e sem legalidade. Você precisa buscar uma justificativa para a sua ação para que possa se sustentar porque o seu poder é provisório, precário, instável.A verdade é que esses discursos moralistas visam a criar uma cortina de fumaça para a questão essencial: a disputa comercial. Ninguém está ali para salvar a vida de ninguém, ninguém está ali para dar segurança a ninguém, porque os primeiros a serem ameaçados e extorquidos são os moradores das áreas ocupadas por milícias ou pelo tráfico. Eles não têm o direito constitucional de ir e vir. As suas garantias individuais e coletivas estão em suspenso. A situação é tão dramática que muitos tentam escolher qual o tirano menos algoz.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Movimento Segurança Cidadã - BI nº 8

MOVIMENTO SEGURANÇA CIDADÃ

Ano I – nº. 8, 18 de novembro de 2008

Uma nova Polícia, feita por Policiais Cidadãos.

OS BASTIDORES DA SEGURANÇA NO RIO DE JANEIRO

Sumário:

Loteria.

1º Artigo: O próximo prefeito e a ordem pública.

2º Artigo: Aos amigos, tudo; aos inimigos... a Polícia!

3º Artigo: Problemas y desafíos de las policías en América Latina.

Rede Latino-Americana de Policiais e Sociedade Civil.



Loteria

TIM WEGENAST, O Globo (01/10/2008).

A História não deveria cansar a memória, e, sim, iluminar a razão. Infelizmente, a memória brasileira está fatigada de um episódio coerentemente repetitivo: a corrupção. Em tempos de eleição, os nossos castelos de areia construídos em torno da ingênua fantasia de que existem partidos honestos e desonestos arranham o céu. De uma vez por todas devemos entender que os políticos são tão corruptos quanto as instituições lhes permitem ser. Se não avançarmos com a reforma política, seguiremos a mercê de julgamentos meramente pessoais sobre a integridade dos candidatos.

Pouco antes de sua morte, Hobbes escreveu que o grande intuito dos poderosos era enfatizar em quem as pessoas deveriam acreditar. A atual campanha eleitoral, na qual políticos ressaltam a própria integridade e denigrem a idoneidade do adversário, corrobora essa visão. Encabeçada pelos próprios candidatos, a mitificação ideológica é reforçada por proeminentes articulistas da mídia brasileira. Não pretendo questionar o indispensável papel da imprensa investigativa. No entanto, essas caças à anta – verdadeiras cruzadas marcadas por cega parcialidade e aversões pessoais contra determinados partidos – são de pouca utilidade.

A política não é coisa de santos. Acreditar na existência de maniqueísmos como o do partido honesto contra o partido corrupto é querer contar estórias da carochinha. Com apoio de grande parte da população brasileira, o “caçador de marajás” anunciou o combate à corrupção. O final da história todo mundo conhece. A nefasta Máfia das Sanguessugas envolveu dez partidos políticos dos mais distintos espectros ideológicos. Há mensalões petistas e mensalões tucanos - não intencionando contudo, justificar os graves escândalos revelados ao longo do atual governo.

Os indivíduos são bastante similares e, parafraseando Montesquieu, eles não são confiáveis no poder (quem não se lembra dos suínos em a Revolução dos Bichos?). Desta convicção, o filósofo concebeu a famigerada Teoria da Tripartição dos Poderes. Para combater práticas ilegais, deveríamos confiar mais em instituições políticas que reduzam o livre arbítrio e menos em percepções subjetiva.

O emaranhado político no Brasil é de uma complexidade shakesperiana. Políticos trocam de partido como trocam de roupa. Diariamente, traçam-se as mais absurdas coligações. Na falta de disciplina partidária, parlamentares votam contra a própria legenda. E cabe ao eleitor a utópica tarefa de controlar os representantes. Precisamos acabar com a personalização do sistema político brasileiro, fortalecendo a fidelidade e a disciplina partidárias, reduzindo o número de partidos e reformando o financiamento das campanhas eleitorais.

A suposta inconstitucionalidade da cláusula de barreira é uma carta-branca para a conservação da fragmentação partidária. A lei de (in) fidelidade partidária, com direito à janela para o “troca-troca”, não vai acabar com o adultério político. Nosso sistema de representação proporcional estimula a competição intrapartidária e a debilitação dos partidos. Lamentavelmente, a adoção do voto em lista fechada foi vetada pela Câmara dos Deputados. Com isso, uma reforma da legislação acerca do financiamento de campanhas eleitorais torna-se, por ora, improvável.

Estudos apontam que apenas um entre mil indivíduos consegue detectar sinais de mentira em outra pessoa. Não é exagero, portanto, afirmar que as eleições municipais equiparam-se a uma loteria. Prefiro apostar em instituições que fortaleçam os partidos e promovam accountability. Enquanto isso não acontece, seguiremos nos alimentando das mais novas reviravoltas políticas no país das fantasias.

TIM WEGENAST é professor da Universidade de Konstanz, na Alemanha.



1º Artigo

O Próximo Prefeito e a Ordem Pública

Jacqueline Muniz & Domício Proença Júnior

Julho de 1996.

Todos os candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro têm consciência de que a ordem pública é uma variável chave para suas pretensões eleitorais. A população cobra dos candidatos um posicionamento inequívoco quanto aos problemas de insegurança da Cidade. Para muitos, isto seria um erro de avaliação dos eleitores, desinformados acerca das reais funções do poder municipal e pressionados pelo agravamento do temor.

Estariam exigindo do futuro prefeito “promessas de campanha”, impossíveis de serem cumpridas por violar suas atribuições constitucionais. Afinal, a redação atual do art. 144, da Constituição Federal, restringe os prefeitos a uma guarda patrimonial desarmada, e delega aos governos estaduais a manutenção da segurança pública.

Mas a população está certa. Suas demandas expressam o amadurecimento no trato das questões relativas à segurança e à ordem. São partes do debate público. Suas necessidades vão além dos arranjos administrativos vigentes. Coloca na arena política o imperativo de uma nova concepção de ordem pública.

Uma nova concepção inserta numa perspectiva contemporânea, que incorpore os desafios de uma sociedade democrática em mudança contínua. Que considere as expectativas comunitárias, a ampliação dos direitos individuais e coletivos, a emergência de novos atores urbanos e os registros identitários alternativos do Rio de Janeiro.

O que está em pauta é uma mudança de mentalidade, o sensato abandono de uma visão arcaica de segurança pública, identificada unicamente com a ação das polícias.

É fundamental expandir horizontes: buscar um novo enquadramento em face do desafio da ordem nas sociedades democráticas, dar conta das necessidades de preservação da lei e da ordem de forma eficaz e eficiente, absorver os impactos da digitalização da economia, da planetarização da logística, do desenraizamento das culturas nacionais, da instantaneidade dos meios de comunicação, da facilidade dos movimentos transfronteiras de pessoas e bens.

Reconhecer que a contraparte deste bravo mundo novo é a internacionalização de certas modalidades criminosas e, mesmo, a maturidade de uma “economia das trevas” que trafica indiferentemente drogas, armas, jóias, pessoas, produtos agrícolas, industriais, minérios e informação.

Este cenário conjuga as demandas nascidas na dinâmica local com o contexto de fenômenos globais, e evidencia a necessidade de um rearranjo amplo. É evidente que se deve buscar articular as expressões locais, regionais, nacionais e internacionais num arranjo capaz de produzir ordem pública democrática.

Exige-se uma visão que a perceba como a prestação de um serviço às comunidades, como infra-estrutura essencial da sociedade, que ultrapassa a abrangência ou a intensidade da ação policial. Fica claro, hoje, que a preservação da ordem depende fundamentalmente de elementos extrapoliciais, como o ambiente comunitário, a manutenção dos equipamentos coletivos e a prestação de serviços de utilidade pública.

É inescapável a conclusão de que as configurações atuais de preservação da ordem e de combate ao ilícito privilegiam a ação policial singular, em detrimento de sua orquestração com as comunidades e as agências públicas.

Assim, se subestima a contribuição essencial da administração municipal para a ordem pública. Parte significativa dos recursos e ferramentas para a redução dos índices de criminalidade e desordem está nas mãos dos prefeitos. Investimentos em infra-estrutura urbana tais como recolhimento regular de lixo, iluminação dos espaços públicos, projetos paisagísticos, recuperação de calçadas, ruas e espaços de lazer, racionalização do trânsito, obras de saneamento básico e fiscalização dos transportes coletivos, são parte integrante de qualquer abordagem moderna para a gestão da ordem pública.

Seria oportuno referenciar estas questões pelo que denominamos uma administração estratégica de ordem pública. Esta seria um enquadramento capaz de, por um lado, dar conta do problema da ordem pública num mundo em que os recursos do Estado são declinantes, as demandas da sociedade são crescentes e em que se exige uma administração moderna que maximize benefícios. Que articule comunidades, agências públicas e as diversas polícias. Mas que, por outro lado, reconheça que a natureza essencial da ação policial é o uso comedido da força, o que exige ações estrategicamente guiadas.

Este enquadramento orienta a articulação de arranjos funcionais sistêmicos eficazes, eficientes e efetivos. Revela como seria um formalismo irresponsável querer excluir a prefeitura de uma Cidade como o Rio de Janeiro da tarefa de preservação da ordem pública.

O espaço municipal emerge, assim, como um nexo essencial na orquestração das comunidades com as atividades governamentais voltadas para a gestão democrática da ordem pública.

É o Município que possui a responsabilidade mais direta pela qualidade de vida da população em seus aspectos mais básicos. É a Prefeitura que detém as ferramentas e órgãos de serviços públicos mais próximos à vida cotidiana das pessoas. E é o futuro prefeito que terá de persistir na tarefa de orquestrar estes recursos para atender às demandas da Cidade por tranqüilidade e segurança.

Artigo publicado no Jornal O Globo, 31/07/96.



2º Artigo

Aos amigos, tudo; aos inimigos... a Polícia!

Por Luciano Porciúncula Garrido

O aperfeiçoamento das instituições públicas tornou-se um dos principais vetores rumo à consolidação de uma sociedade democrática. Um país não se governa tão-somente com leis, decretos, regulamentações e burocracias (muitas vezes incompatíveis com a realidade social na qual se inserem).

Uma nação, ao contrário, se faz a partir de instituições fortes e ações públicas eficientes, que aumentam a legitimidade dos poderes constituídos e, ao mesmo tempo, pela sua eficácia e abrangência, proporcionam à coletividade uma sensação mínima de cidadania e inclusão social.

Essa é a contraparte imprescindível que o Estado, dentro das funções que lhe cabem, precisa dispor para viabilizar um nível razoável de coesão social.

Um dos caminhos para se garantir o fortalecimento das instituições e a conseqüente eficácia das ações governamentais, passa pela criação de políticas públicas nas quais os agentes do Estado sejam devidamente considerados.

A competente gestão de pessoal é uma estratégia que podemos tomar emprestada às instituições privadas, uma vez que todas elas já se deram conta de que seu maior patrimônio reside precisamente na capacitação e valorização de seus colaboradores. Esse, aliás, é um dos princípios basilares da administração moderna, que não pode ser mais ignorado pelos gestores da coisa pública.

Em outra direção, podemos também apontar como fator estratégico na modernização do setor público medidas que impliquem na consolidação definitiva de princípios administrativos constitucionais, tais como a impessoalidade, moralidade, eficiência e, sobretudo, os princípios republicanos da independência institucional e da supremacia do interesse coletivo.

É dentro dessa ótica que reclamamos atenção especial para os seguimentos da segurança pública. Eles compõem, dentro do aparato estatal, um conjunto de instituições cujas atribuições concorrem para a garantia daquilo que a tradição anglo-saxônica chama de rule of law (domínio da lei), tão caro aos regimes democráticos.

As forças policiais, nesse particular, são instituições implicadas diretamente na manutenção da ordem pública, sendo esta um requisito indispensável ao livre exercício dos direitos e liberdades fundamentais.

Não é por outra razão que a atividade policial está inclusa entre as carreiras típicas de Estado, para cujas atribuições o legislador constituinte reservou um lugar especial em nossa magna carta.

Entretanto, em que pese a segurança pública figurar como um dever precípuo de Estado, a realidade nos mostra que os órgãos policiais vem sofrendo interferências políticas de sucessivos governos.

O efeito deletério das ingerências sobre a polícia já seria por si mesmo indesejado; contudo, há inúmeras outras variáveis que tornam esse quadro ainda mais nocivo.

Culturalmente, viemos de uma tradição política lusitana de cunho patrimonialista, na qual o interesse privado costuma se imiscuir livremente na esfera pública; logo, é comum que aspirações particulares se sobreponham aos interesses coletivos, colocando o poder público a serviço de segmentos sociais bem específicos.

Essa tendência culturalmente enraizada em nosso país se traduz de forma bastante anedótica pelo provérbio atribuído a um dos maiores expoentes do Estado patrimonialista brasileiro, Getúlio Vargas, quando declarou: "aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei".

E é digno de nota que esse tipo de mentalidade se coaduna perfeitamente com as concepções políticas do teórico nazista Carl Schimitt, que pregava a dicotomia beligerante do "amigo versus inimigo" como arquétipo das relações políticas nos mais diversos níveis.

Retomando o foco sobre a segurança pública, resta-nos indagar qual seria o papel da Polícia nessa conjuntura em que as leis são aplicadas segundo um moto político de caráter personalista. Será que as leis devem se submeter a um desideratum particular, que elege os "inimigos" de ocasião e sobre eles recaem com todo o seu rigor? Ou, inversamente: devem ser volatilizadas, relativizadas, quando seus alvos forem, por assim dizer, os "amigos do rei"?

Essas antinomias nos usos do poder e na aplicação das leis, contudo, não se restringem a disputas político-partidário em uma perspectiva, digamos, horizontal. Elas possuem também sua verticalização, na medida em que geram reflexos sobre as relações interclasses sociais. Esse é o componente ideológico propriamente dito, que pode ser tomado em sua acepção consagrada pelos teóricos do marxismo.

A ideologia, segundo essa ótica, é entendida como um instrumento de dominação que age de forma sub-reptícia através do ambiente cultural (superestrutura). Embora nunca se imponha por meio da força física, sua influência é quase irresistível. Assim, a ideologia funciona como uma espécie de "falsa consciência", que imprime um caráter coletivo e universal a um conjunto de valores, idiossincrasias, ou visão de mundo, que em sua origem são particulares, já que pertencem a grupos sociais hegemônicos.

E aqui parece estar traçado o destino da instituição policial no quadro que se desenha. Em razão das múltiplas influências que sofre, acaba pervertendo os usos de seu poder coercitivo ao colocá-lo a serviço de interesses esconsos, imbuídos unicamente na manutenção de um status quo que lhes seja favorável. E esses grupos influentes podem ser representados tanto pelos que eventualmente se valem do poder político, quanto por aqueles que desde sempre se impuseram pelo poder econômico.

Esse é o corolário político de um Estado de configuração patrimonial, clientelista, ineficiente e personalista, descrito por Raymundo Faoro como origem de toda burocracia e corrupção nacionais. E é nessa conjuntura que o privilégio se institucionaliza e o bem comum torna-se apenas um conceito vago, intangível, encontradiço unicamente em discursos parlamentares.

Mas, prossigamos em nossas indagações. Se as leis não são feitas para todos, segundo esse modelo, como garantir que seus efeitos não se ressintam indistintamente? Quais estratégias o sistema se utiliza para que o poder e as leis sejam ideologicamente manipulados em prol de interesses alheios, tal como descrevemos anteriormente?

Presume-se que as estratégias sejam as mais sutis, quase imperceptíveis no complexo jogo de forças envolvidas no campo político e econômico. Entretanto, no tocante às instituições policiais, podemos formular algumas hipóteses com certo grau de verossimilhança.

Já vimos que a Polícia se põe a serviço de grupos partidários quando se submete às constantes ingerências de sucessivos governos. Em que pese a natural alternância de poder nos regimes democráticos, ainda assim testemunhamos um reiterado uso político da máquina pública.

Como os órgãos policiais ficam subordinados aos governos eleitos, seus gestores terminam por ser designado, invariavelmente, a partir de afinidades políticas. Ainda que em alguns casos haja espaço para o mérito, a cartilha partidária acaba falando mais alto, e estará pronta a defenestrar o primeiro que lhe contrarie os caprichos.

E é dessa forma que a Polícia perde toda autonomia e fica refém das conveniências políticas de ocasião.

Delineamos aí, portanto, uma das estratégias que o sistema se vale para criar uma espécie de blindagem ao franco exercício da atividade policial.

A outra, talvez mais capciosa, é decorrente de uma omissão deliberada das autoridades públicas, cujo descaso para com os órgãos de segurança produz o seu inevitável sucateamento.

A todo o instante, vemos instituições policiais atribuladas por inúmeros problemas estruturais e logísticos, que comprometem radicalmente a qualidade dos serviços que prestam à sociedade. As dificuldades encontradas são as mais diversas: quadros deficitários, mal capacitados, plano de carreira antiquado, tecnologia defasada, carência de equipamentos e uma remuneração absolutamente irrisória.

Eis aí os ingredientes necessários para se fazer uma Polícia subserviente, corrupta e truculenta.

E essa degradação sistemática dos órgãos de segurança pública termina por deixá-los à mercê de um poder econômico que, embora aparentemente insuspeito, encontra-se muitas vezes vinculado a facções criminosas articuladas, com ramificações no governo, e que se aproveitam da fragilidade organizacional das Polícias para assediá-las e corrompê-las.

Paralelo a isso, uma onda de descrédito institucional se propaga rapidamente entre a população, e dissemina no país uma verdadeira cultura do crime e da contravenção, que acaba encontrando solo fértil na sensação generalizada de impunidade.

Esse estado de coisas afeta mais intensamente as classes menos favorecidas, que não costumam ter por parte da justiça a benevolência de que desfrutam as classes privilegiadas (ainda que os crimes do "colarinho branco" sejam socialmente muito mais danosos).

Ao contrário do que se tem alardeado cinicamente por aí, estamos longe de ter hoje no Brasil algo semelhante a um Estado policial. Estamos muito mais próximos de uma espécie de "Estado marginal", onde a corrupção nos mais diversos níveis, a injustiça e os desmandos políticos freqüentam cotidianamente o noticiário nacional.

Se Rui Barbosa vivo fosse, diria a mesma coisa que disse há quase cem anos atrás:

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

É dentro desse quadro, portanto, que devemos considerar a urgência de se fortalecer as instituições públicas, com atenção especial para os órgãos policiais.

Esse objetivo só será alcançado no dia em que tivermos uma Polícia verdadeiramente republicana, autônoma, livre de interferências político-ideológico; capacitada técnica e cientificamente para atuar em um ambiente de respeitos aos Direitos Humanos; e enaltecida por uma sociedade capaz de lhe retribuir com uma pecúnia a altura de sua nobre missão.

Luciano Porciuncula Garrido é Psicólogo e Policial Civil do Distrito Federal. E-mail: garrido1974@gmail.com



1ª Conferência Regional da Rede de Policiais e Sociedade Civil

Santiago, novembro de 2008.

3º Artigo

Problemas y desafíos de las policías en América Latina

Intervenção de Gino Costa[1]

Agradezco la invitación de la Red Latinoamericana de Policías y Sociedad Civil para participar en su primera conferencia. Me han solicitado que comparta con ustedes mis ideas sobre los problemas que enfrentan nuestras políticas de seguridad y, particularmente, nuestras policías, y los desafíos de nuestros gobiernos para brindar seguridad y justicia en el marco del más irrestricto respeto a los derechos ciudadanos. Estos desafíos incluyen, por supuesto, en lugar prioritario, los de la reforma y modernización policial.

Antes de comenzar, quiero explicitar lo difícil que es hablar de América Latina porque, a pesar de las muchas cosas que tenemos en común, tanto nuestros países como nuestros sistemas policiales tienen grandes diferencias. En efecto, tenemos hasta tres grandes sistemas. Por un lado, los de los Estados federales, como Brasil, México y Argentina, con algunas policías federales y con policías de prevención e investigación e4statales y, en algunos casos, municipales. Por el otro, tenemos a los Estados unitarios, con policías nacionales únicas, encargadas simultáneamente de la prevención y la investigación criminal, como en América Central, a excepción de Costa Rica, y como en la zona andina, a excepción de Venezuela. Entre estos dos extremos, tenemos el caso de Chile. Un Estado unitario con dos cuerpos policiales nacionales, uno de prevención y otro de investigación. Además de estos sistemas, los casos de Venezuela y Costa Rica rompen la pauta, porque siendo Estados unitarios tienen no dos, como Chile, sino varias policías más. A esta pluralidad de sistemas policiales hay que agregarle las diferencias de desarrollo económico y social, por un lado, e institucional, por el otro.

No obstante la pluralidad, resultado de estas determinantes, nuestras políticas de seguridad y nuestras policías comparten ciertos problemas comunes, aunque de distinta envergadura en cada país y en cada cuerpo policial. Veamos cuáles son.

Refirámonos, primero, a nuestras políticas de seguridad. Quiero poner a consideración de ustedes, para el debate, seis problemas, limitaciones y deficiencias, que considero de los más importantes, aunque no los únicos.

Uno, carecen de un adecuado liderazgo político y profesional. Esto se traduce en débiles ministerios del Interior o de Seguridad Pública, insuficientemente equipados de funcionarios con competencia profesional en el diseño, implementación, supervisión y evaluación de políticas públicas en esta materia. No cuentan, además, con información delictiva adecuada para la formulación de políticas ni con los instrumentos y capacidad suficiente para conducir y supervisar a las policías que se encuentran bajo su responsabilidad, tanto en lo operativo como en lo gerencial y disciplinario. Menos aún están en condiciones de dirigir y coordinar las acciones multisectoriales que se requieren, tanto en lo preventivo como en lo referido a la acción del sistema penal. Estas debilidades se acentúan por la inestabilidad política que normalmente afecta a nuestros gobiernos y, especialmente, al gobierno de la seguridad pública, una de cuyas características, a lo largo y ancho de la región, es la discontinuidad de esfuerzos.

Dos, la contraparte de estas limitaciones es la autonomía de nuestras instituciones policiales y el gran poder político que ostentan dentro del Estado y la sociedad. Esto las hace resistentes al control y al cambio, las mantiene encapsuladas del resto de la sociedad y las hace propensas a actuar por encima de la Constitución y las leyes, y a vulnerar los derechos humanos. Todo esto contribuye a la policialización de las políticas de seguridad. En lugar de ser éstas esfuerzos integrales y multisectoriales, con frecuencia se convierten en una suma de planes operativos policiales, lo que disminuye la capacidad de nuestros gobiernos de responder adecuadamente a los desafíos de la inseguridad, la violencia y el delito. La autonomía de las corporaciones policiales explica también las dificultades de poner en práctica políticas de seguridad en el ámbito local, dirigidas y coordinadas por los gobiernos municipales.

Tres, la militarización constituye otra de las características de nuestras políticas de seguridad. Esta se expresa en la tendencia de involucrar a los militares en tareas policiales, con el argumento de que nuestras policías no son lo suficientemente eficaces. Los avances que se dieron con el fin de la guerra fría en delimitar claramente las fronteras entre lo policial y lo militar han sido revertidos, en parte por la complejidad de la situación y, en parte, por el aliento de los Estados Unidos a involucrar a las fuerzas armadas en enfrentar las nuevas amenazas.

Cuatro, existe una tendencia muy extendida en la región que consiste en responder a los problemas de seguridad con acciones retóricas y efectistas, que normalmente son populares, pero que, en última instancia, resultan ineficaces. Ella consiste en responder con modificaciones legales para endurecer las penas, criminalizar nuevas conductas sociales, ampliar las atribuciones policiales, involucrar a las fuerzas armadas en tareas de seguridad pública y restringir las garantías y los derechos ciudadanos. Estas políticas no solo socavan las bases del Estado democrático, sino que, lejos de contribuir a resolver los problemas de seguridad, pueden incrementarlos. Ello es lo que ha estado ocurriendo, de manera más clara, en el triángulo norte de América Central con las políticas de “mano dura” y “súper mano dura”. Esta tendencia va acompañada de un desdén por los esfuerzos de prevención, rehabilitación y reinserción social de los infractores de la ley, así como por la postergación indefinida de las urgentes reformas de las policías, la justicia y los sistemas penitenciarios.

Cinco, otra característica de nuestras políticas es que no se diseñan en base a información veraz, confiable y oportuna sobre quién, cuándo, cómo y dónde se cometió una falta o un delito. La ausencia de información no sólo contribuye al diseño de políticas inadecuadas sino a la incapacidad de evaluarlas, en la medida en que no se cuenta con los indicadores necesarios. Sin indicadores no hay gestión por resultados posible.

Seis, la debilidad de los ministerios del Interior o Seguridad Pública para coordinar la acción multisectorial, la precariedad de los gobiernos municipales para hacer lo propio en el ámbito local, la policialización y militarización de las políticas de seguridad, y la poca tradición de trabajo integrado entre diversos sectores da cuenta de las dificultades de poner en práctica una respuesta integral e interinstitucional a los problemas de inseguridad. La reciente constitución de sistemas nacionales de seguridad ciudadana es un paso positivo, pero las dificultades de funcionamiento que están teniendo son testimonio de los grandes desafíos que tiene por delante. La coordinación no es solo difícil en el ámbito penal, sino también en el preventivo.

Ahora, permítanme referirme, específica y rápidamente, a los problemas, limitaciones y deficiencias de nuestras policías. Cuatro de ellos me merecen especial atención.

Uno, su anacronismo, tanto en lo tecnológico y organizacional, como en lo conceptual y normativo. El carácter cerrado de nuestras policías, al igual que nuestros militares, a influencias externas y la debilidad del liderazgo político, con frecuencia, les ha permitido permanecer al margen de los procesos de reforma del Estado por mucho más tiempo que otras instituciones públicas. Ello, también, las hace más resistentes a las nuevas corrientes de gestión institucional y de trabajo policial.

Dos, la persistente presencia de prácticas corruptas y abusivas, que es la otra cara de la moneda de su autonomía institucional, de su fortaleza relativa frente a otras instituciones del Estado de derecho, de la falta de controles internos y externos que promuevan la transparencia y rendición de cuentas, del mal entendido “espíritu de cuerpo” y de la ausencia de una eficaz dirección y supervisión política. Ella contribuye a explicar la ineficiencia para brindar un buen servicio policial y es la principal razón de la desconfianza ciudadana.

Tres, las deficientes condiciones de bienestar y trabajo de los policías, que atentan contra el buen desempeño profesional, la calidad del servicio que brindan y, en ocasiones, su propia salud física y mental. No es posible concebir una policía eficiente sin una institución que le brinde a su personal, de manera permanente, formación moderna y de excelencia; posibilidades de desarrollo profesional, personal y familiar; y, las mínimas facilidades para hacer bien su trabajo. Por sobre todo, que lo trate con respeto, que lo considere, siempre, su activo más importante y que invierta en su constante perfeccionamiento.

Cuatro, la desconfianza ciudadana, que es el resultado de un conjunto de factores, principalmente la impunidad frente a la corrupción y el abuso, así como la ineficiencia y la baja calidad del servicio policial. Esto último tiene causas tanto internas como externas a la institución. Algunas de las internas ya han sido mencionadas. En cuanto a las otras, cabe indicar la responsabilidad de los gobiernos por no atender adecuadamente a la profesionalización de sus instituciones policiales y al bienestar de su personal y de sus familias. Una institución policial sin respaldo ciudadano, por más bien formada y equipada que esté, no podrá cumplir adecuadamente su tarea, porque tanto la información como la legitimidad que requiere para actuar sólo puede provenir de la comunidad. Por eso, la desconfianza es el obstáculo principal para que la policía pueda cumplir su función de protectora y defensora de nuestros derechos y libertades. Superar ese obstáculo debe el objetivo más importante de cualquier esfuerzo de transformación institucional.

Planteados los problemas, a continuación los desafíos para todos los cuerpos policiales. Se trata de desafíos permanentes que deben enfrentar con decisión y determinación, incluso los cuerpos que están en mejores condiciones, porque los peligros de la desactualización, de la corrupción y el abuso, y del deterioro de las condiciones de bienestar y trabajo son permanentes y acechan por igual a todos, así como la legitimidad y la confianza ciudadana se mantiene o se pierde día a día. Más aún en un mundo globalizado en el que los cambios tecnológicos permiten al crimen organizado la rápida transformación y perfeccionamiento de sus modalidades de acción.

El primer desafío es el de dotar a nuestras políticas de mayor gobernabilidad, esto es, ministerios del Interior o Seguridad Pública sólidos, con un funcionariado profesional y competente, blindados a los vaivenes políticos; sostenibilidad en el tiempo, que trasciendan los cambios de ministros y de gobiernos; y, con adecuada información para su diseño, con indicadores que permitan su evaluación y con instrumentos para la efectiva supervisión de los cuerpos de policías.

También se requiere contar con adecuados mecanismos de coordinación, tanto horizontal como vertical. En el primer nivel, aquella que involucra a las instituciones encargadas de la persecución y sanción del delito (policías, fiscales y jueces) y de la rehabilitación y reinserción de los infractores (sistemas penitenciarios), así como a las responsables de la prevención (policías, gobiernos locales, sistemas educativos y de salud, y organizaciones juveniles, sociales y vecinales). En el segundo nivel, la que se refiere a la coordinación del gobierno nacional con los gobiernos subnacionales (regionales - estatales, provinciales y locales). Esto, también, demanda una fina sincronización de los esfuerzos de los gobiernos subnacionales con las instituciones que, como la policía y la justicia, pueden tener carácter nacional. Finalmente, la gobernabilidad también pasa por contar con instituciones parlamentarias que cumplan, adecuadamente, con sus labores legislativas y fiscalizadoras.

El desafío de la gobernabilidad del sector implica acometer, de manera simultánea a las transformaciones en las policías, la reforma y modernización de los sistemas judiciales y penitenciarios. No basta con contar con mejores policías, si la justicia sigue siendo un instrumento de impunidad o de intereses económicos y políticos. Tampoco basta con transformar a las policías y a la justicia, si las cárceles continúan siendo las universidades del crimen y los espacios desde los cuales se conduce la actividad delictiva.

El segundo desafío es el de la profesionalización del personal, que pasa por fortalecer la carrera policial y cada uno de sus componentes, a saber: los sistemas de reclutamiento, selección e ingreso; la formación, especialización y capacitación; la evaluación del desempeño; la promoción y el ascenso; y, el régimen disciplinario. Un plan de carrera bien estructurado, que promueva el mérito, la iniciativa y la creatividad, y que sea implacable con los malos policías, contribuirá a crear cuerpos policiales de excelencia.

El tercer desafío es el de la dignificación del trabajo policial, del policía y de sus familias. Ello demanda buen trato al personal, tanto por la institución como por los superiores jerárquicos; adecuadas remuneraciones; condiciones dignas de trabajo, incluyendo el régimen laboral con jornadas de descanso adecuadas y vacaciones remuneradas; programas de salud, de vivienda y otros de bienestar, administrados con transparencia, con un sistema de rendición de cuentas y con representación de todo el personal policial en los órganos de gestión.

De la misma manera en que al policía le debemos exigir el más irrestricto respeto del Código de conducta para los funcionarios encargados de hacer cumplir la ley, de las Naciones Unidas, y de las normas nacionales e internacionales de los derechos humanos, es imprescindible que a las instituciones policiales y, principalmente, a nuestros gobiernos les exijamos el mismo respeto por los derechos de los y las policías.

El cuarto desafío es el de la modernización de la gestión institucional, que involucra tanto los niveles organizacional, tecnológico, conceptual y normativo, así como la gestión de los recursos humanos, logísticos y financieros. Un componente importante de este desafío es el proceso de descentralización de responsabilidades y de toma de decisiones. A este respecto, la herencia militar de muchos de nuestros cuerpos constituye un obstáculo difícil, aunque no imposible, de superar. El trabajo policial, a diferencia del militar, requiere de una libertad para tomar decisiones en el terreno, que no se condicen con la formación y la disciplina militar.

El quinto desafío es el de la transparencia, el control y la rendición de cuentas, instrumentos fundamentales para enfrentar la corrupción y el abuso policial, y para generar las condiciones de confianza de la ciudadanía y de otros poderes del Estado en las policías. Esto demanda acabar con la “cultura del secreto” y ser proactivos en poner al servicio de la ciudadanía, por ejemplo a través de las páginas web institucionales, toda la información posible sobre, entre otros, la utilización de los recursos, incluyendo el presupuesto y los programas de bienestar policial; el récord del personal; las políticas e intervenciones institucionales; y, la información delictiva.

Estas prácticas deben ser complementadas con una política comunicacional que permita a los jefes policiales de todos los niveles dar cuenta de las actividades e intervenciones institucionales y responder a las preguntas de los medios de comunicación. Sería ideal que, anualmente, los cuerpos policiales rindieran cuentas con informes al Congreso Nacional o de los Estados sobre su labor. El contacto constante con la población es, también, fundamental. Instituciones como los cabildos abiertos o las audiencias públicas son importantes no solo para rendir cuentas, sino, sobre todo, para recoger las inquietudes, sugerencias y las propuestas de la comunidad.

El sexto desafío es el de la información y el análisis para la acción policial. Las policías tienen que saber, con la mayor exactitud posible, dónde, cuándo, cómo y quién cometió un delito en su jurisdicción. Las respuestas a esas cuatro preguntas son el secreto fundamental del trabajo policial, no sólo del policía de investigaciones, sino también del preventivo. No es posible desplegar las fuerzas para prevenir el delito sin tener información veraz, confiable y oportuna sobre la situación delictiva. Si lo hacemos, estamos condenados a hacerlo muy mal y a perder frente al crimen.

Tan importante como contar con la información es saber utilizarla y, para ello, resulta fundamental que nuestras policías tengan las destrezas necesarias para sistematizar la información disponible y hacer un análisis crítico de ella, especialmente para asociar los patrones delictivos a los factores de riesgo, como pueden ser el alcohol, las drogas, la deserción escolar y otros. Ver la manera cómo en cada circunscripción territorial éstos inciden en la actividad criminal es una tarea de la mayor importancia. Pasar del policiamiento reactivo al proactivo, fundado en la información y en análisis de la misma, para atacar las causas de los delitos y resolver los problemas que los motivan, es el gran desafío de las policías del siglo XXI.

El séptimo y último desafío es el de recuperar la confianza ciudadana. Esto sólo será posible si nos abocamos a la tarea de superar los seis primeros desafíos, de manera simultánea y permanente, mejorando la calidad del servicio policial y dando muestras de una voluntad de cambio y de una nueva actitud. Con frecuencia, se cree, equivocadamente, que la desconfianza se puede superar con medidas cosméticas, bien marketeadas y publicitadas. La única manera de hacerlo es con resultados.

Si éstos son los problemas y los desafíos, ¿qué tareas tenemos por delante?, ¿qué podemos hacer desde la Red para contribuir a hacer realidad los desafíos de nuestras políticas de seguridad y, particularmente, de nuestras policías? Creo que hay mucho que hacer. La sola existencia de la Red ya es un hecho valioso en si mismo, pues está comenzando a contribuir a un intercambio de buenas prácticas, a que todos aprendamos y nos enriquezcamos con la experiencia ajena. Estos encuentros contribuyen a ello, al igual que las visitas de trabajo entre sus miembros.

Este Foro debe, además, constituir un buen ejemplo de lo que tenemos que hacer en nuestras ciudades y países para crear espacios de reflexión y análisis entre nuestros policías y organizaciones de la sociedad civil. Quizá, el mejor ejemplo de ello lo constituye el Foro Nacional de Seguridad Pública de Brasil, que, entiendo, ha inspirado la creación de esta Red y cuyos artífices están liderando su desarrollo.

Creo que, también, la Red puede ser un instrumento útil para comenzar a medir y evaluar el desempeño y la calidad de nuestros servicios policiales y, sobre todo, a compararlos. Contamos con instrumentos para ello. Mencionaré cuatro.

Uno, el kit de visitas a comisarías de policías, desarrollado por la Alianza Global Altus, que permite evaluar en qué medida éstas están diseñadas y son operadas para servir al público. Hasta el momento se han hecho dos jornadas mundiales, que han demostrado las múltiples ventajas de un sistema de evaluación y participación ciudadana. Sugiero que las organizaciones de sociedad civil de la Red se comprometan, el próximo año, a participar en la tercera jornada de Altus o, si ésta no se realiza, a organizar, simultáneamente, una jornada de visitas en nuestras ciudades.

Dos, en todos nuestros países se realizan, de manera regular, encuestas de opinión pública donde se mide la tasa de victimización y se evalúan nuestras instituciones policiales. Ocurre, sin embargo, que no siempre utilizamos los mismos indicadores. Sugiero que trabajemos en escoger algunos, muy pocos en realidad, que permitan comparar la situación de seguridad en nuestros países y su evolución a lo largo del tiempo, así como los grados de confianza y satisfacción con el servicio que brindan las instituciones policiales. Tener la capacidad de contar con instrumentos de medición comparables entre nuestros países y nuestras policías sería, creo yo, de gran utilidad y una tarea muy pertinente para nuestra Red. Sobre todo en Colombia y, crecientemente, en Brasil, se están consolidando observatorios ciudadanos que cumplen, entre otras, esta tarea. Estos son los observatorios conocidos como Cómo Vamos o Nossa. Cabría revisar los indicadores de seguridad desarrollados por dichos mecanismos y ver si son los más adecuados. Si lo fueran, ya tendríamos parte del trabajo hecho, ahí donde existen. La tarea sería llevar la medición ahí donde no existen. Hacer realidad esta tarea pasa por establecer un diálogo con los Cómo Vamos y con Nossa.

Tres, para complementar la información que arrojen las encuestas de opinión pública, necesitamos trabajar con indicadores más duros, como estadísticas, por ejemplo. Esto es lo que hacen los observatorios mencionados. Habría, también, que revisar este componente de sus evaluaciones.

Cuatro, por último, para evaluar el trabajo de nuestros policías, también, necesitamos contar con la opinión de los policías, lo que demanda que discutamos la pertinencia de desarrollar un cuestionario común, aplicable a todas las policías de la región. Este debería estar dirigido a dar cuenta, principalmente, de las condiciones de trabajo y bienestar.

Ojalá que estas sugerencias contribuyan a enriquecer nuestra discusión en las dos jornadas de trabajo que tenemos por delante.

Muchas gracias.

[1] Gino Costa (Lima, 1956). Abogado de la Pontificia Universidad Católica del Perú y Ph.D. en Historia Contemporánea de la Universidad de Cambridge, Inglaterra. Fue parte del equipo que inició el proceso de reforma policial y que gestó el Sistema Nacional de Seguridad Ciudadana durante el gobierno de Alejandro Toledo, del que fue Ministro del Interior. También ha sido Presidente del Instituto Nacional Penitenciario y Defensor Adjunto para los Derechos Humanos de la Defensoría del Pueblo. Actualmente preside Ciudad Nuestra.

Rede Latino-americana de Policiais e Sociedade Civil

Criada há dois anos, a Rede de Policiais e Sociedade Civil da América Latina se define como um espaço de interação e intercâmbio de conhecimento, onde não existe herarquia de saberes ou práticas. “Pelo contrário, estamos colocando à prova essas formas de construção e entendimento da realidade a várias mãos em uma dinâmica de participação permanente. Aqui ninguém ensina nada a ninguém, todos aprendemos com nossos intercâmbios de experiências", afirma Jacqueline Muniz, antropóloga e consultora da ONG Viva Rio, do Brasil.

Fazem parte do programa Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México, países que compõem a Rede desde 2006 e, que este ano incluiu mais cinco países - Venezuela, El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Peru -, além de incluir mais um estado brasileiro (em sua primera edição, o estado escolhido foi Minas Gerais e desta vez quem participou foi o Rio Grande do Sul).

O momento de encontro entre os participantes foi durante o curso “Liderança para o Desenvolvimento Institucional Policial”, que depois continuou por meio eletrônico com a realização de chats e foruns, além de visitas técnicas, em que cada policial visitou outro país da rede.

Este ano também foi lançado o livro “Polícia, Estado e sociedade: práticas e saberes Latino-americanos”, que reúne mais de 50 autores que fazem parte dos centros de estudos, ONGs e agências policiais, e é uma síntese de dois anos consecutivos de trabalho no âmbito da rede.

“O livro reflete o que foi o curso, um diálogo entre a academia, entre as práticas sociais e as práticas policiais com intenção de discutir as construções teóricas com as práticas em si”, afirma Soraya El Ackar, da Rede de Apoio pela Justiça e la Paz da Venezuela.

Na Biblioteca Virtual:

“Polícia, Estado e sociedade: práticas e saberes Latino-americanos”

Para saber mais sobre a Rede, acesse:

http://blog.comunidadesegura.org/policiaesociedade/

Fonte: http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/MATERIA-policiais-e-ONGs-de-10-paises-se-reunirao-no-Chile

Observação: Retomaremos as atividades em abril de 2009.